União Poliafetiva no Brasil
É possível a união poliafetiva ser legalizada no Brasil?
No presente artigo, trataremos das transformações do Direito de Família impulsionados pela transformação social.
Além disso, elucidaremos as principais diferenças entre poliafetividade, poliamor, poligamia, bem como a situação atual jurídica das uniões poliafetivas no Brasil.
Princípios Constitucionais do Direito de Família
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a forma de se enxergar o direito passou a ser mais humanizado.
Com efeito, anteriormente o direito era analisado tão somente como um meio de imposição de regras à sociedade.
De outro lado, no Direito de Família, é imprescindível a interpretação dos fatos e direito de acordo com os princípios constitucionais são no momento, justamente para que a norma não se sobreponha aos princípios.
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
É a partir do direito da dignidade da pessoa humana que advém os princípios da liberdade, cidadania, igualdade e outros.
Outrossim, a noção jurídica de dignidade traduz um valor fundamental de respeito à existência humana, segundo as suas expectativas, patrimoniais e afetivas, indispensáveis à sua realização pessoal e à busca da felicidade.
Dessa forma, o direito da dignidade das pessoas humanas se resume a um conjunto de diversos direitos inerentes a qualquer pessoa.
Portanto, o fundamento desse princípio está intrinsicamente baseado na existência humana, independentemente de sua capacidade material, moral ou intelectual.
No Direito da Família, este princípio dispõe a dignidade para todas as entidades familiares.
Portanto, impede a diferenciação de tratamento às várias formas de filiação ou aos vários tipos de constituição de família.
Finalmente, de cordo com este princípio a diversidade das entidades familiares encontra plena proteção constitucional.
Vale dizer, o Estado deve respeitar todas as formas de constituição de família, para que assim, o princípio da dignidade da pessoa humana seja cumprido.
Princípio da Igualdade e da Liberdade
Este princípio parte da premissa que todos os cidadãos são iguais perante a lei, que possuem igualdade na esfera social, e isso interessa ao direito porque é sinônimo de justiça.
Portanto, não há motivos para haver desigualdade no tratamento jurídico das diferentes modalidades de família.
Isto é, quando o Estado reconhece apenas o casamento, a família matrimonial entre homem e mulher como legítima, verifica-se a discriminação com as demais entidades familiares.
Com efeito, a Constituição Federal de 1988 inaugurou o princípio da igualdade em prol de eliminar esta desigualdade.
Por sua vez, o princípio da liberdade está diretamente ligado ao da igualdade, na medida em que só é possível ter liberdade individual quando há igualdade entre todos os cidadãos.
Assim, se não houver igualdade, não há que se falar em liberdade e sim em sujeição e dominação.
Finalmente, o princípio da liberdade é totalmente aplicado ao direito das famílias, uma vez que os cidadãos têm liberdade de escolher como querem viver, com quem viver e como constituir família, de acordo com seus interesses, afetos e desejos.
União Estável
A promulgação da Constituição Federal de 1988 inaugurou o reconhecimento da união estável entre homem e mulher como entidade familiar (Artigo 226§ 3º da CF).
Na sequência, o Código Civil de 2002 em seu artigo 1723 e seguintes, tratou de definir como união estável o relacionamento público, duradouro, contínuo e com objetivo de constituição de família entre o homem e mulher.
Para fins legais, a união estável é equiparada ao casamento quanto aos deveres de lealdade, respeito, e assistência e de guarda, sustento e educação dos filhos.
No tocante aos direitos patrimoniais é conferido o regime padrão do casamento no Brasil, o da comunhão parcial de bens.
Diante disso, as pessoas que conviviam como se marido e mulher fossem, passaram a ter proteção do Estado, para todos os fins legais.
Portanto, com a previsão legal da união estável, passou-se a legitimar uma forma de relação e família existente há muitos anos em nosso país.
União Homoafetiva
O texto constitucional, ao legitimar a união estável, traz a descrição de relacionamento entre homem e mulher somente, evidenciando a desigualdade com as pessoas conviventes do mesmo sexo.
Todavia, com base no princípio da dignidade da pessoa humana, no princípio da igualdade e liberdade, o direito acompanhou a evolução social e a legalizou a união homoafetiva.
Destarte, a união homoafetiva se equipara a união estável para todos os fins, porém se estabelece entre pessoas do mesmo sexo, mulher e mulher ou homem e homem.
Inicialmente, o reconhecimento da união homoafetiva se deu através de decisões proferidas pelos tribunais superiores.
Estas, primeiramente, reconheceram de partilha de bens ao dissolver uma sociedade de fato entre homoafetivos, com permissão de adoção de filhos por parceiros homoafaetivos.
Ato contínuo, no ano de 2010, o STF julgou duas ações declaratórias de inconstitucionalidade, reconhecendo as uniões homoafetivas como entidades familiares com os mesmos direitos e deveres das uniões estáveis.
A partir desta decisão, a jurisprudência começou a entender a plena possibilidade de converter a união estável em casamento.
Todavia, só havia esta possibilidade se os casais fizessem a escritura pública ou particular de união homoafetiva e, após, pleiteassem a conversão em casamento junto ao Judiciário.
Sequencialmente, o STJ decidiu pela habilitação direta para o casamento, e após, o CNJ emitiu a resolução 175/13 que proibiu todas as autoridades competentes a recusarem a celebração do casamento civil ou a conversão da união estável em casamento.
Outrossim, o CNJ emitiu o provimento 37/14, que permitiu o registro das uniões estáveis, inclusive entre pessoas do mesmo sexo no livro e do registro civil das pessoas naturais.
Diante do exposto, atualmente há o reconhecimento, a legalidade das uniões homoafetivas e casamentos homoafetivos no Brasil.
União Poliafetiva
Pode-se definir a união poliafetiva como a união decorrente de vários afetos.
Com efeito, a união poliafetiva possui os mesmos requisitos da união estável e da união homoafetiva.
Todavia, a união poliafetiva se constitui por mais de duas pessoas, sendo elas do mesmo gênero ou não, todos os membros desta união formam uma família.
Outrossim, a união poliafetiva também nos remete aos termo poliamor e poliafetividade.
Inicialmente, o poliamor é um relacionamento em que mais de duas pessoas convivem de forma amorosa e em simultaneidade.
No poliamor, todos os envolvidos possuem conhecimento e consentem com essa relação, a base do poliamor é o amor, a ética, lealdade e a honestidade.
Por sua vez, a poliafetividade é decorrente do poliamor, é uma união entre mais de duas pessoas, porém, possui um objetivo principal, que é a constituição de família.
Assim como o poliamor, a poliafetividade tem como base o afeto, a solidariedade e a boa-fé entre todos os membros da entidade familiar.
Poligamia x Poliafetividade
Pode-se conceituar a poligamia como o casamento de uma pessoa com várias outras.
A poligamia mais comum se dá por intermédio da poliginia, que é quando um homem possui várias esposas.
Nesta modalidade, o homem escolhe suas esposas independentemente do consentimento da primeira esposa, esta, apenas é obrigada a aceitar a vontade do marido.
Todavia, na poligamia há uma hierarquia, não havendo que se falar em amor recíproco entre todos os membros da família.
Em contrapartida, na poliafetividade há consentimento e aceitação de todos os membros da entidade familiar, não havendo imposição e poder por nenhum dos componentes.
Atual Situação da União Poliafetiva no Brasil
Sabe-se que as uniões poliafetivas existem há muito tempo.
Todavia, a questão passou a ser discutida no Brasil depois que algumas escrituras públicas, documentando a união, foram lavradas.
O primeiro caso se deu em Tupã, município do interior do estado de São Paulo, pela tabeliã de notas e protestos, Claudia do Nascimento Domingues.
Neste caso, três conviventes do Rio de Janeiro, duas mulheres e um homem, alegaram se relacionarem afetivamente e viverem na mesma casa há três anos.
Assim, a união foi lavrada em escritura pública declaratória de união poliafetiva.
Com o registro público da união poliafetiva, os mesmos direitos e deveres inerentes à união estável e união homoafetivas se aplicam a esta modalidade.
Na sequência, a tabeliã supramencionada lavrou outras escrituras com igual teor a ser procuradas por outros conviventes.
Todavia, a Associação de Direito de Famílias e Sucessões (ADFAS) entrou com pedido de providências no CNJ pleiteando a proibição das lavraturas de uniões poliafetivas, ao argumento de inconstitucionalidade da conduta.
Ato contínuo, o CNJ decidiu, em 2016, pela sugestão de suspensão das lavraturas das escrituras públicas de poliafetividade.
Esta decisão se deu diante da ausência de regulamentação na esfera do direito de Família, Sucessões e Previdenciários.
Após esta decisão do CNJ, as escrituras de união poliafetiva deixaram de ser registradas.
Em 2018, o CNJ decidiu de forma definitiva e determinou a proibição das lavraturas das escrituras de união poliafetiva no País. Esta é a posição que temos até o presente momento.