Desde que proferida a decisão do Supremo Tribunal Federal que gerou o Tema 210 de Repercussão Geral, questiona-se se se conteúdo não é aplicável aos casos de transportes aéreos internacionais de cargas.
No presente artigo, discorreremos se a referida decisão atinge somente os transportes de passageiros com extravios de bagagens, não os de faltas ou avarias de cargas.
Tema 210 de Repercussão Geral do STF
Inicialmente, o que vale para o precedente vale para a decisão de repercussão geral.
Além disso, deve-se considerar a modulação, consistente no instituto concebido para concretizar, nos casos em que se entenda adequado prevalecer, o princípio da proteção à confiança.
Portanto, no direito brasileiro, pode obstar o cabimento da rescisória, quando a jurisprudência dominante muda de rumo ou quando a lei, em que se baseia a decisão, seja tida por inconstitucional.
Com efeito, a questão reside na fundamental segurança jurídica, que preceitua vedação à surpresa, a proteção da confiança e a previsibilidade do direito.
Outrossim, fatores essenciais ao adequado planejamento das atividades econômicas e correlatas.
Ademais, sob a perspectiva da análise econômica do Direito, o respeito aos precedentes é extremamente valioso.
Isto porque elabora um arcabouço informativo destinado a diminuir a possibilidade de erros judiciários, reduzindo o ônus ligados a limitações de tempo e de expertise dos aplicadores do Direito.
Ademais, os agentes econômicos valorizam a segurança jurídica decorrente de um sistema de precedentes vinculantes.
Em contrapartida, esses agentes são estimulados a se dedicarem a atividades mais produtivas quando seus direitos estão.
Modulação como Ferramenta Legal que Impede Injustiça e dá Correta Dimensão ao Espírito dos Precedentes
Inicialmente, o Tema 210 não atinge, nem pode atingir, as ações ajuizadas antes da sua existência no mundo jurídico.
Assim, ações que foram propostas quando se tinha uma leitura do Direito, completamente distinta e que não considerava a limitação de responsabilidade da Convenção de Montreal.
Além disso, nos casos de transportes de cargas e da primazia do princípio da reparação civil integral, a questão da modulação é objetiva e não pode ser desprezada.
Recentemente, o próprio Supremo assim se manifestou em um caso no qual atuei como advogado da seguradora sub-rogada contra transportador aéreo internacional de carga por dano contratual.
Com efeito, o TJSP havia aplicado o Tema 210 e a limitação de responsabilidade em favor do transportador aéreo e o STJ seguiu pelo mesmo caminho.
Todavia, a decisão foi reformada e o ressarcimento integral, reconhecido.
Diante disso, pode-se dizer que o Supremo Tribunal Federal entende que o tema nº 210 nada tem a ver com os casos que envolvem inadimplemento contratual de transporte de cargas por desídia operacional do transportador.
Ademais, destaca-se a existência de distinção entre a falha na prestação de serviço de transporte aéreo de cargas e o consequente direito de regresso decorrente de contrato de seguro.
Assim, a limitação da responsabilidade de transportadoras áreas de passageiros por extravio de bagagens em voos internacionais não se aplica à espécie.
Convenção de Montreal
De acordo com esta a limitação de responsabilidade do transportador aéreo de carga não se aplica a toda e qualquer hipótese.
Todavia, apenas àquelas situações decorrentes de riscos essencialmente inseridos no transporte aéreo.
Isto é, jamais em caso de mero inadimplemento contratual, decorrente de desídia operacional.
Todavia, ressalta-se que o transporte de carga não se confunde com o de passageiros.
Assim, faltas e avarias são coisas distintas de um simples extravio de bagagem.
Em contrapartida, as implicações negociais são muito mais amplas e complexas, sobretudo quando aneladas ao contrato de seguro.
Por fim, quem pleiteia a reparação de danos é uma seguradora legalmente sub-rogada, que faz jus à reparação civil integral.
Isto não só por conta do princípio estampado no art. 944, do Código Civil, mas também por força do enunciado de Súmula nº 188 do Supremo Tribunal Federal.
E é precisamente com base na própria Convenção, que muitos Tribunais Estaduais tem rejeitado as disposições tarifadas no caso da seguradora:
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. TRANSPORTE AÉREO. CARGA. AVARIA. SEGURO. REGRESSO. CONVENÇÃO DE MONTREAL. DECADÊNCIA. LIMITE. 1. Ainda que a Convenção de Montreal se aplique a indenizações por dano material relativas a carga, é certo que a própria convenção observou que não afetaria direito de regresso. O direito de regresso, então, segue normas internas. 2. Não cabe aplicação da indenização tarifada da Convenção de Montreal quando a carga transportada é devidamente informada, inclusive quanto a seu valor. 3. O Mantra Siscomex supre a falta de protesto. Diante disso, não há que se falar em decadência por falta de protesto. 4. A empresa que efetivamente presta o transporte é parte legítima para responder por danos decorrentes desse serviço. 5. Recurso não provido. (TJSP – Ap. Cível nº 1061664-45.2019.8.26.0100 – 14ª Câmara de Direito Privado – rel. Melo Colombi – J. 12/02/2020)