Um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus receberá da entidade uma indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil, por ter sido obrigado a fazer vasectomia e pelo transporte de valores dos dízimos.
A decisão é do juiz Marcos Vinícius Barroso, na 12ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.
Interferência na Vida Pessoal
O pastor alegou, na Justiça do Trabalho, que passou por abalo psíquico e emocional, em razão de ter sofrido interferência da entidade na sua vida pessoal.
Para tanto, contou que foi obrigado a fazer o procedimento de vasectomia e a transportar frequentemente elevadas quantias de dinheiro em seu carro particular.
De acordo com exame médico anexado aos autos, restou comprovado que o reclamante realizou o procedimento médico.
Outrossim, prova testemunhal confirmou a versão do pastor sobre o transporte de valores. Segundo testemunha, ao final de cada dia, o pastor da igreja levava o valor arrecadado para a matriz.
Em seu depoimento pessoal, o pastor explicou que, segundo a igreja, todo pastor solteiro, antes do casamento, deve ser vasectomizado.
No caso dele, o procedimento médico foi realizado, em 2003, por um profissional do Rio Grande do Sul, em sala alugada em Belo Horizonte junto com mais 30 pastores.
Antes desse sistema de imposição, ele contou que muitos pastores tinham filhos.
Ação Civil Pública
Não obstante, uma ação civil pública ajuizada na 43ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro/RJ também serviu como prova contra a entidade.
Referida demanda judicial teve como objetivo condenar a igreja a obrigações de abster-se imediatamente de exigir exames de vasectomia “a pastores, ministros, empregados ou obreiros que estejam sob a sua dependência jurídica ou hierárquica, conforme os ditames da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Lei nº 9.029/95 e Convenção Internacional da OIT n° 111”.
Diante dos fatos, o juiz Marcos Vinícius Barroso entendeu que a igreja praticou conduta indevida em relação aos seus colaboradores.
Ao fundamentar sua decisão, o magistrado argumentou:
“Aquele que exerce um direito, mas excede os fins sociais ou a boa-fé contratual, comete excessos, e fica responsável pela indenização. No caso, o excesso foi a interferência da reclamada na vida pessoal do reclamante, que foi obrigado a fazer o procedimento de vasectomia e ainda transportar quantias de dinheiro em seu carro particular”.
Conforme entendimento do julgador, vivenciar essa situação causou no reclamante danos de caráter moral, como diminuição da estima, indignação pelo que viveu, perturbação da paz interior e sentimento de injustiça:
“Essa lesão sofrida pelo reclamante foi injusta, para a qual ele não concorreu, e a conduta da reclamada foi a causa da lesão moral, que, por força dos artigos 186 e 927 do Código Civil, merece reparação”, concluiu.
Indenização por Danos Morais
Dessa forma, considerando o objetivo reparador e educativo das indenizações por danos morais, o porte da reclamada e a situação vivenciada pelo reclamante, o juiz arbitrou em R$ 50 mil o valor a ser pago.
Inconformada, a igreja apresentou recurso, requerendo a extinção do processo com resolução de mérito.
Nesta oportunidade, a entidade alegou que o direito de reivindicar a indenização estava prescrito, tendo em vista que o autor relatou a realização da vasectomia em 2003.
No entanto, ao examinar o caso, julgadores da Primeira Turma do TRT-MG entenderam que, nesta situação, não vale o decurso do prazo prescricional, haja vista o estado de sujeição a que se submeteu o reclamante. Neste sentido:
“O dano que sofreu o autor ao realizar a vasectomia é um dano de personalidade, sendo imprescritível como a doutrina e a jurisprudência nos ensinam”, ressaltou a desembargadora Maria Cecília Alves Pinto, relatora no processo.
Com efeito, para a desembargadora, quando há alegação de submissão do trabalhador a estado de sujeição, como ocorre nas hipóteses de trabalho sujeito a condições análogas à de escravo, não se pode cogitar da incidência da prescrição.
Diante disso, constatada a possibilidade de crime contra a humanidade, a julgadora determinou ainda a expedição de ofício ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público do Trabalho, com fundamento no artigo 40, do CPP e artigo 7º, da LACP, para que os órgãos tomem ciência dos fatos.
Por fim, após o julgamento no TRT-MG, o processo retornou à vara de origem para o exame de questões decorrentes do reconhecimento de relação de emprego entre as partes.