O governo Jair Bolsonaro encomendou um estudo que propõe realizar mudanças na CLT e na Constituição, levando Brasil à nova reforma trabalhista.
A última reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) completou quatro anos no último dia 11 de novembro deste ano. As mudanças na CLT promovidas pelo governo de Michel Temer ainda geram muitas discussões no Supremo Tribunal Federal (STJ). Agora, a notícia de que o então presidente Jair Bolsonaro (PL) planeja promover novas alterações deixa muitos apreensivos.
Ao mesmo tempo que os autores do estudo dizem que as mudanças poderão estimular o empreendedorismo, a geração de emprego e a desburocratização, sindicalistas rejeitam os argumentos e preveem precarização.
As mudanças terão como base um estudo de 262 páginas, elaborado pelo Grupo de Altos Estudos do Trabalho (Gaet). O texto foi dividido em quatro esferas:
- Economia e trabalho;
- Direito do Trabalho e segurança jurídica;
- Trabalho e previdência;
- Liberdade sindical.
Alterações propostas sobre Direito do Trabalho
Com respeito ao Direito do Trabalho, o estudo propõe 330 alterações em dispositivos da CLT que vão desde a inclusão de 110 regras, a alteração de 180 e a revogação de 40 delas. Veja alguns dos pontos mais importantes.
Motoristas e entregadores via aplicativos
Um dos pontos mais sensíveis regula o trabalho via aplicativos de economia compartilhada. O grupo defende que o artigo 3º da CLT determine expressamente que essa modalidade de serviço prestado entre trabalhador e empresas de tecnologia não constitui vínculo empregatício.
O objetivo é quebrar definitivamente o vínculo entre prestadores de serviços (motoristas e entregadores, por exemplo) e plataformas digitais (aplicativos). A ideia é barrar decisões judiciais que reconheçam o vínculo e os direitos previstos na CLT.
Trabalho aos domingos
Atualmente, para se trabalhar aos domingos, é preciso estar na lista de atividades autorizadas pela Secretaria Especial do Trabalho, ou possuir autorização da entidade sindical ou acordo coletivo. Também é necessário que, em atividades comerciais, o trabalho aos domingos não viole legislações municipais.
Conforme o estudo, isso é uma barreira injustificada ao trabalho aos domingos. O GAET sugere a alteração do artigo 67 da CLT para determinar que “não há vedação ao trabalho em domingos, desde que ao menos uma folga a cada sete semanas do empregado recaia nesse dia”.
“Certo é que em uma sociedade digital em crescente movimento, cada vez mais, as pessoas esperam que as empresas atendam suas expectativas de bem-estar, moldando seus serviços e horários de atendimento às suas necessidades”, diz trecho da justificativa.
FGTS e seguro desemprego
Outra mudança proposta é o fim do pagamento de multa rescisória de 40% do FGTS, em caso de demissão do trabalhador, e também a criação de um fundo único, composto pelo FGTS e o seguro desemprego.
A justificativa inclui que, ao invés de ser pago após a demissão, os recursos passariam a ser depositados ao longo dos primeiros 30 meses de trabalho do empregado.
A pesquisa acrescenta uma alteração na faixa de contribuição do FGTS para quem recebe um salário-mínimo, passando de 8% para 16% do valor recebido. Os especialistas defendem que este subsidio público, se bem focalizado, vai beneficiar exclusivamente os trabalhadores em situação mais vulnerável e contribuir, dessa forma, para a redução na desigualdade de renda.
Trabalho e Previdência: aspectos estudados
O estudo também prevê mudanças nas esferas de:
- Insalubridade e periculosidade;
- Regras de notificação de acidentes de trabalho;
- Nexo técnico epidemiológico;
- Efeitos previdenciários de decisões da Justiça do Trabalho; e
- Direitos do trabalhador decorrentes de benefícios previdenciários.
Proteção aos bens dos sócios em dívidas trabalhistas
Hoje, o patrimônio do sócio pode ser usado para pagar dívida da empresa, de acordo com regras previstas no Código Civil, mais limitado, ou no CDC (Código de Defesa do Consumidor), mais abrangente.
O grupo Gaet recomenda que fique expresso em lei a aplicação apenas do Código Civil, estendendo somente a casos de dissolução irregular de uma empresa. Isso vai limitar o uso de bens pessoais de um sócio de uma empresa para pagamento de dívidas trabalhistas do próprio negócio.
O estudo afirma que a ação incentivaria o empreendedorismo, e consequente estimularia a criação de empregos.
“Legalização da fraude”
Já o assessor jurídico da CUT (Central Única dos Trabalhadores), o advogado José Eymard Loguercio critica a proposta. “O Gaet dificulta a desconsideração da personalidade jurídica”, afirma.
“Daqui a pouco isso também chega ao consumidor. Tudo o que foi conquistado de direitos e garantias começa a ser entendido apenas como custo. O custo social pode ser bem maior”, diz Loguercio ao Jornal de Brasilia.
Através de seu site, a CUT se posiciona contra o novo conjunto de medidas, afirmando que ele precariza o trabalho, cria insegurança jurídica e tira dos sindicatos a tarefa legítima de representação coletiva da classe trabalhadora
Para o presidente da CUT, Sérgio Nobre, trata-se da “legalização da fraude”. “Hoje, 90% das ações dos trabalhadores que vão à Justiça são porque verbas rescisórias não são pagas corretamente.”
No relatório da Gaet, foi observado que “deve-se ressalvar, que os documentos não contam, necessariamente, com a concordância, integral ou parcial, deste Ministério do Trabalho e Previdência ou mesmo do governo federal”. Isso quer dizer que as medidas apresentadas não representam o posicionamento do governo. A pasta afirma ainda que atuará em diálogo com a sociedade.
Outras mudanças polêmicas
O estudo prevê ainda a autorização na Constituição para a criação de um regime trabalhista simplificado, alternativo à CLT, a ser definido em lei. Segundo o Jornal de Brasília, estas mudanças incluem:
- Responsabilização do empregado, quando treinado e equipado, pela falta de uso do equipamento de proteção individual em caso de acidente de trabalho;
- Previsão de teste de gravidez antes da dispensa da trabalhadora. Ideia é garantir emprego e não se considerar dispensa arbitrária o fim de contrato por prazo determinado, de experiência, temporário ou intermitente;
- Ajustes nas regras do trabalho intermitente;
- Limitação da chamada substituição processual aos associados de um sindicato;
- Quitação de acordo extrajudicial seria completa, e o juiz, proibido de homologá-lo parcialmente;
- Indenização por danos morais com o teto dos benefícios do INSS como parâmetro, em vez do salário do trabalhador, como previa a reforma de 2017;
- Aplicação do IPCA-E (índice de inflação medido pelo IBGE) em vez da TR, como previa a reforma de 2017, ou da Selic em correção monetária de créditos trabalhistas;
- Aplicação de leis trabalhistas novas aos contratos vigentes a fim de evitar questionamentos como os feitos em relação à reforma de 2017.