Proposta pode Acabar com Estabilidade no Serviço Público

Uma proposta de três pesquisadores do Insper antecipa uma discussão que já ocorre nos bastidores do governo, mas ainda não ganhou os holofotes: como fazer mais e melhor na gestão de serviços públicos, mas com menos dinheiro. O grupo resgatou uma norma da Constituição que prevê a fixação de metas na gestão pública. A proposta é utilizá-la como trampolim para a criação de uma espécie de lei de responsabilidade gerencial, prevendo punição para o caso do seu não cumprimento. A pena máxima: demissão do servidor público, algo quase impossível hoje.

O governo está bem preocupado com a eficiência na gestão. A folha de pessoal é a segunda maior despesa da União – quase um quarto do total. Só perde para a Previdência. Nos Estados e municípios, é o item número um. Está dado que será preciso aperfeiçoar a gestão se aprovarem a PEC do teto, a Proposta de Emenda Constitucional que limita o crescimento de gastos. O tema foi tangenciado no Ministério da Fazenda, passou para o Planejamento e chegou à Casa Civil. A assessoria da pasta confirma que há medidas em análise, mas que são embrionárias e “não é momento para abordá-las”.

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Os pesquisadores do Insper Fernando Schuler, Sandro Cabral e Sergio Lazzarini querem antecipar a discussão. Lembram que não existe um marco legal para a gestão pública. Cada ente da federação faz o que quer. Alguns aperfeiçoam a gestão. Outros nem se mexeram.

“A Constituição já trazia a preocupação em avaliar a qualidade do serviço público, tanto que tem uma norma prevendo a demissão do servidor por insuficiência de desempenho – mas o que é ineficiência e qual o processo disso não foi definido. Propomos o resgate da norma e a criação de algo como uma lei de responsabilidade gerencial”, diz Lazzarini.

Metas. Quem já se adiantou, fixando métricas de desempenho, garante que faz uma enorme diferença. Pernambuco é um exemplo. Adotou, em 2007, um programa de modernização da gestão, com metas para todas as áreas. Na semana passada, a educação triunfou. O ensino médio da rede pública estadual alcançou o primeiro lugar do País no Ideb, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Foi uma proeza. Quando as metas foram implantadas, Pernambuco estava em 21.º lugar. Chama a atenção a reversão de indicadores importantes, como a taxa de abandono escolar. Na largada, 24% dos estudantes não concluíam os estudos. Hoje, os desistentes são 2,5% – a menor taxa do País. “Não foi o acaso que produziu isso, foi o programa de metas”, diz Frederico Amancio, secretário de Educação de Pernambuco.

Funcionário de carreira concursado, Amancio apoia que o choque de gestão separe o joio do trigo. A secretária de Fazenda de Goiás, Ana Carla Abrão Costa, também. Mas ela garante que a tarefa pode ser penosa ou, no seu caso, surreal. Desde março, tenta demitir uma auditora. A funcionária concursada, com salário de R$ 20 mil, é acusada de cobrar R$ 4 mil de propina de um empresário, que filmou a entrega do dinheiro e fez a denúncia à polícia. Ana Carla tentou depositar o salário em juízo. Não conseguiu. Ao comentar o caso em sua página no Facebook, foi alvo de uma carta de repúdio do sindicato da categoria: “Os auditores estão entre nosso melhores servidores, o caso dela é isolado, mas o corporativismo é enorme: tudo e todos vão contra uma demissão”, diz.

O ponto de partida para mudar essa realidade seria a emenda 19 da Constituição, de 1998, que trata da eficiência no setor público. Com ela, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei complementar, o PLC 248/98, para criar a avaliação de desempenho do funcionalismo. O projeto foi aprovado na Câmara, alterado no Senado e, na volta à Câmara, engavetado.

O trio do Insper defende que o seu resgate abriria espaço para um novo sistema de cobrança. “Há no Brasil o mito de que o funcionário público tem estabilidade plena, mas isso não é verdade na lei”, diz Schuler. Pelo projeto, o funcionário pode ser ético, assíduo, honesto, mas se tiver dois anos seguidos ou três anos não consecutivos, em cinco, de insuficiência de desempenho, dentro de critérios preestabelecidos, é passivo de demissão. “Sabemos que essa lei, que ficou no vai e vem, exige aperfeiçoamentos e também que o tema é polêmico, mas ela já está tramitando e esse é o momento para o debate”, diz Sandro Cabral.

Fonte: Estadão

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