Pode-se conceituar a prisão em segunda instância aquela decorrente de sentença penal condenatória proferida em segundo grau recursal.
Contudo, o art. 283 do CPP, prevê que: “
ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
Assim, no presente artigo, analisaremos a possibilidade de prisão em segunda instância mesmo que haja recurso pendente, a necessidade do trânsito em julgado da sentença penal condenatória e, ainda, a PEC 05/2019.
Recurso Pendente vs Possibilidade de Prisão em Segunda Instância
Inicialmente, a questão da prisão em segunda instância sempre foi um tema polêmico.
Com efeito, há muito a temática é discutida no meio jurídico, entre a eficácia da execução da sentença penal e a necessidade do trânsito em julgado em última instância.
Como se sabe, o STF decidiu sobre o tema no processo contra o ex-presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva.
Entretanto, como será analisado, esta não é a primeira vez em que o tema é discutido.
Desde 2009 a temática é objeto de diálogos e opiniões contraditórias na sociedade jurídica.
Assim, em 2011, a redação do art. 283 do CPP foi modificada para incluir o trânsito em julgado.
Portanto, estava em consonância à garantia do art. 5º, CF.
Todavia, em 2016, contudo, também em consonância a julgamentos anteriores, o STF decidiu pela executabilidade provisória da sentença penal, ainda que pendente recurso.
Por fim, em 2019, voltou atrás no julgamento para declarar a constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal.
Dessa forma, verifica-se que é importante observar que diversos institutos positivados foram envolvidos nessas discussões, entre compatibilidades e incompatibilidades.
Prisão em Segunda Instância: Conceito
Existem 5 formas de prisão processual, como pontua o autor Guilherme Nucci:
- em flagrante;
- temporária;
- preventiva;
- por pronúncia; e
- por sentença penal condenatória transitada em julgado.
Portanto, a prisão em segunda instância é a prisão por sentença penal condenatória proferida em segundo grau recursal.
No entanto, nem sempre essa espécie de prisão processual ocorre após o trânsito em julgado, ainda que esta seja a redação do art. CPP.
Assim, quando se fala em prisão em segunda instância, pode-se falar de uma prisão decretada após a sentença penal, embora ainda seja passível de recurso.
Exemplo disso são os casos de julgamento pendente pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo o autor supramencionado:
Não há mais previsão de prisão, aparentemente, por sentença condenatória recorrível. O que pode acontecer é que a condenação venha a ensejar um caso de decreto de preventiva que poderá vigorar até o trânsito em julgado da sentença. Não está correta, portanto, a Lei ao colocar dentro do Código de Processo Penal e no sistema cautelar a prisão decorrente de sentença transitada em julgado, eis que esta, sendo pena, seguirá o regime nela estabelecido segundo regras de Direito material. Somente a sua efetivação (forma do mandado, deprecação, comunicações etc.) é que segue as mesmas regras.
Enfim, o que o jurista critica é que a prisão após o trânsito em julgado não seria uma prisão processual e não teria natureza cautelar – para garantia do processo.
Dessa forma, seria uma prisão pena, porque já findado o processo de julgamento.
Art. 283 do CPP vs a Necessidade do Trânsito em Julgado da Sentença Penal Condenatória
Ademais, para uma melhor análise, verificaremos o que diz o art. 283 do Código de Processo Penal:
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
§ 1º As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade.
§ 2º A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio.
Assim, o trânsito em julgado fica evidente no caput do dispositivo.
Neste sentido, o processo penal é uma ação intermediária entre a pretensão punitiva do Estado e o direito de liberdade do indivíduo, interligadas pela prática de uma conduta, eventualmente, condenável.
Dessa forma, estabelecem-se garantias a ambas as partes, mas, acima de tudo, prerrogativas à restrição da liberdade do indivíduo, para a qual devem ser preenchidos requisitos legais. No entanto, essa previsão data de 2011.
Isto porque até então, o art. 283 do CPP previa apenas que a prisão poderia:
“ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio”
Todavia, isso foi modificado pela Lei 12.403/2011.
Constitucionalidade da Prisão em Segunda Instância
Inicialmente, ressalta-se que os incisos LIV e LVII do art. 5º da Constituição Federal dispõem que:
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
Dessa forma, verifica-se que fica assegurado, constitucionalmente, o direito ao devido processo legal e o direito de liberdade até a condenação decretada por sentença penal condenatória transitada em julgado ao fim desse processo penal.
Portanto, impera a presunção de inocência até a condenação do réu por sentença definitiva transitada em julgado.
Todavia, não apenas a parte condenada ainda possui direito a seguir em diante com o devido processo legal e que a sentença penal pode não ter transitado em julgado.
Nestes casos, ressalva-se que as hipóteses de prisões processuais de natureza cautelar, as quais, como já observado, são possíveis, mas dentro do preenchimento dos requisitos legais.
Por fim, cabe mencionar que os direitos e garantias individuais são considerados cláusula pétrea conforme o art. 60, § 4º, da Constituição Federal.
Julgamento do STF Sobre a Prisão Após Condenação em Segunda Instância
No início de novembro de 2019, o STF julgou em conjunto as Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43,44 e 54.
Em que pese a votação tenha sido acirrada, votou-se, enfim, pela constitucionalidade do art. 283 do CPP.
Antes disso, em 2016, o plenário do Supremo havia decidido, em ação de Habeas Corpus (HC 126.292/SP), que a execução provisória da sentença penal não infringia o disposto no art. 5º da Constituição Federal.
Neste caso, a parte embargante não teria atacado a culpabilidade, mas tão somente o argumento de presunção de inocência após a prisão em segunda instância.
Assim, o tribunal considerou que a matéria da culpabilidade estaria decidida, o que não implicaria em violação à presunção de inocência.
Portanto, verifica-se que o recente julgamento acaba por contrariar a decisão anterior.
Contudo, é importante esclarecer que a decisão não implica na libertação de parcela majoritária dos presos, embora deve ensejar revisão de prisões decorrentes de execuções provisórias.
Destarte, as únicas prisões passíveis de serem revistas são aquelas que se configuram unicamente como execução provisória da sentença penal em segunda instância.
Por fim, as medidas cautelares continuarão a ser aplicadas, desde que presentes os requisitos necessários para a sua decretação.
PEC 05/2019
No entanto, a decisão do STF não é o fim da discussão sobre a prisão em segunda instância.
Assim como supramencionado, a presunção de inocência está consubstanciada em cláusula pétrea e, portanto, não pode ser revogada ou modificada por Emendas Constitucionais.
Todavia, há uma tentativa de autorizar a execução imediata da sentença penal após a segunda instância por outros meios constitucionais.
Nesse sentido, a PEC 05/2019 tem como objetivo a alteração do art. 93 da Constituição Federal, o qual trata dos princípios da Magistratura.
Dessa maneira, pretende que seja inserido, no dispositivo, o inciso XVI, o seguinte:
“para positivar a possibilidade de execução provisória da pena, após a condenação por órgão colegiado”.
Além disso, conforme a explicação da ementa do projeto:
“Determina que a decisão condenatória proferida por órgãos colegiados deve ser executada imediatamente, independentemente do cabimento de eventuais recursos”.
Para tanto, a justificativa é de que ordenamento brasileiro é ineficiente na aplicação da lei, diante do excessivo número de recursos.
Dessa forma, a alteração legislativa seria uma forma de conceder à sociedade uma resposta satisfatórias à crise da insegurança pública, ainda que ponha em risco o direito à defesa e a presunção de inocência.