Assim como a usucapião extraordinária, a usucapião ordinária é uma modalidade clássica de usucapião.
No presente artigo, trataremos especificamente da usucapião ordinária.
Pode-se definir a usucapião como um modo aquisitivo de propriedade e de outros direitos reais.
Com efeito, usucapião é um direito novo, autônomo, independente de qualquer ato negocial provindo de um possível proprietário.
Destarte, o transmitente da coisa objeto da usucapião não é o antecessor, o primitivo proprietário, mas a autoridade judiciária que reconhece e declara por sentença aquisitiva por usucapião.
A usucapião nada mais é que ocupação somada ao tempo.
Modalidades de Usucapião
Usucapião Ordinária
Assim dispõe o Código Civil acerca desta modalidade de usucapião:
“Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.”
Com efeito, a usucapião ordinária exige a posse contínua e incontestada durante período de tempo variável, entre cinco ou dez, acrescendo, para tanto, o justo título e a boa-fé.
Dessa forma, para reconhecimento da usucapião, nesta modalidade, são exigidos os requisitos genéricos da usucapião – animus domini, posse mansa e pacífica, de boa-fé e ininterrupta.
Outrossim, some-se a estes requisitos o justo título, constituído por documento suficiente para o ato translativo ou constitutivo da propriedade, emitido por quem tem o domínio do bem, e que possibilita o registro no ofício imobiliário.
Todavia, essa modalidade de usucapião não beneficiará aquele que obteve o título e o registrou, com o escopo de ocupar o imóvel.
Assim, restará tão-somente ao prescribente aguardar o defluxo do lapso temporal para a configuração da usucapião, em sua modalidade extraordinária.
Justo Título
Neste tema, o justo título exigido para a caracterização da usucapião é aquele documento que teria, em tese, o poder de transferir o domínio, mas não o faz em virtude de algum vício que contenha.
Vale dizer, trata-se do instrumento que conduz um possuidor a iludir-se, por acreditar que lhe outorga a condição de proprietário.
Isto é, consiste no título que, em tese, apresenta-se como instrumento formalmente idôneo a transferir a propriedade.
Por conseguinte, será necessário que o usucapiente prove possuir um título potencialmente idôneo para a transferência da propriedade.
Via de regra, a compra e venda, a troca, a dação em pagamento, a doação, o dote, o legado, a arrematação, a adjudicação, são títulos justos, porquanto hábeis à transferência do domínio.
Contudo, tais títulos podem apresentar obstáculos que inibem a transmissão da coisa.
Exemplo disso é a venda a non domino, na qual o alienante não detém poder legal para aliená-la, ou ocorrer erro no modo de aquisição.
Nessa modalidade de prescrição aquisitiva, pode ocorrer que o usucapiente, detivesse o título anteriormente, mas que, por algum motivo, fora cancelado, quer seja por irregularidade formal, quer seja por vício de vontade.
Decerto, a legislação protege quem, se encontrando em tal contexto fático, mantém na coisa usucapienda a moradia.
Outrossim, de outro lado, realizou ali investimentos que demonstrem interesse social e econômico.
Dessa forma, protege-se o possuidor que atribui utilidade a coisa, valorando, assim, o princípio constitucional da função social da propriedade, em detrimento de terceiro.
Boa-Fé
Este requisito se relaciona ao estado subjetivo de ignorância do usucapiente quanto ao vício ou obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa.
Por conseguinte, a boa-fé encontra assento na convicção que o possuidor tem de que o bem usucapiendo lhe pertence.
Vale dizer, quando ao adquirir a coisa, falsamente supõe ser o seu proprietário.
Com efeito, o requisito cumulativo da boa-fé do possuidor, qualidade que deve existir não só no momento da aquisição, como persistir durante todo o prazo necessário à consumação da usucapião.
Portanto, trata-se da boa-fé subjetiva, consistente no desconhecimento do vício que afeta a posse.
Assim, a boa-fé é algo que transcende o animus domini, porquanto a maioria dos possuidores detém a intenção de dono, ainda que saibam que realmente não o são, o possuidor com boa-fé incide em estado de erro, o que gera nele a fala impressão de ser o titular da propriedade.
Finalmente, apenas aquele que está municiado de justo título poderá invocar boa-fé pra fins de usucapião ordinária.
Isto porque este é o elemento objetivo que sustenta a convicção de dono que o possuidor tem.
Em contrapartida, inexistindo o justo título, deverá o usucapiente o período mais elástico entalhado na modalidade extraordinária da usucapião.