Código Penal brasileiro: 80 anos de avanço porém com mudanças necessárias

Nesta segunda-feira (07/12), o Código Penal (CP) brasileiro completou 80 anos de existência. No entanto, a Parte Geral é octogenária; a Parte Especial sofreu várias alterações durante os anos, principalmente a partir da década de 1980. 

O CP foi instituído pelo presidente Getúlio Vargas durante o Estado Novo e entrou em vigor dois anos depois.

Avanço significativo

De acordo com o desembargador Sidney Eloy Dalabrida, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), o CP representa um avanço significativo, “com a consagração de princípios e regras modernas de orientação liberal em matéria penal”. 

Segundo o magistrado, já se assinalava “a necessidade da busca de sanções alternativas para infrações penais menos graves”.

Princípios

Nenhum outro Código Penal (brasileiro) ficou tanto tempo em vigência no país, este é o terceiro que nós temos. Os outros dois são os de 1830 e 1890. O CP é formado pelos seguintes princípios: legalidade, devido processo legal, culpabilidade, lesividade, proporcionalidade, individualização, humanização e valor social da pena, subsidiariedade e fragmentariedade.

Funções do Direito Penal  

Em palestra realizada no Tribunal de Justiça de Santa Catarina em abril de 2019, o ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), elencou as principais funções do Direito Penal: limitar o papel punitivo e repressor do Estado, prevenir crimes e reações informais da sociedade, tutelar bens jurídicos e interesses sociais. 

Delitos sexuais 

Na avaliação do desembargador Leopoldo Augusto Brüggemann, “a sociedade evoluiu com o tempo, mas muitas matérias ainda precisam ser enfrentadas, e entre elas está o aborto”. Ele lembra que o adultério foi extirpado do conjunto de normas e surgiram os crimes de homofobia e transfobia, além do feminicídio. 

Para Brüggemann, houve clara inovação quanto aos delitos sexuais. Não existia, por exemplo, o crime de importunação sexual.  De acordo com o magistrado, o que salvou a legislação penal foram as leis esparsas ou especiais, vindo a lume o crime de lavagem de dinheiro e o crime de organização criminosa.

Pena de morte

A pena de morte era corriqueira no Brasil e era prevista para crimes inusitados, tais como o de lesa-majestade. Por exemplo: qualquer infeliz que quebrasse ou derrubasse, mesmo que involuntariamente, alguma imagem do Rei (Rei de Portugal) seria condenado à morte. 

O professor André Estefam, conta que o apenado era esquartejado, seus restos mortais expostos e seus bens confiscados, “atingindo a infâmia decorrente do crime até a sua quarta geração”.

Dos delitos e das penas

Antes dos códigos brasileiros, imperavam os códigos de Portugal: Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, sendo as últimas que previam pena de morte para qualquer distraído que esbarrasse numa imagem do rei. 

O Código Filipino vigorou de 1603 até 1830, ou seja, 227 anos e tinha como objetivo garantir “a paz” e “a ordem” por meio do terror. A primeira legislação penal brasileira é de 1830 e se chamava, paradoxalmente, Código Criminal do Império. Neste momento, acontecia uma quebra de paradigma e há um enorme avanço: o Brasil escapa da Idade da Trevas e se deixa influenciar pelas ideias do Iluminismo.

Um pequeno livro, escrito em 1763 e publicado no ano seguinte por um italiano de apenas 26 anos, foi decisivo para que isso acontecesse.   A obra: Dos Delitos e das Penas, sacudiu o pensamento europeu do século 18 e se tornou uma ode à humanização da Justiça. 

Crítica a tortura e a pena de morte

Seu autor, Cesare Beccaria, faz uma contundente crítica à prática da tortura e da pena de morte, comuns até então, disserta sobre a importância da proporcionalidade entre o crime e a pena, da necessária celeridade do processo penal, fala inclusive dos pontos positivos e negativos da delação premiada e traça uma análise controversa sobre a posse de armas.   

Incluído no índice de livros proibidos da Igreja, por defender a necessidade de diferenciação entre crimes e pecados, Dos Delitos e das Penas foi criticado por abordar e questionar valores e regras fundamentais da ordem social de então. 

Ao mesmo tempo, conquistou sucesso internacional, principalmente depois da publicação da edição francesa.

Certeza da punição

“Quereis prevenir os delitos?”, pergunta Beccaria, “fazei com que as leis sejam claras, simples e que toda a força da nação se concentre em defendê-las e nenhuma parte dela seja empregada para destruí-las”. Para o autor, não é a crueldade da pena que irá dissuadir o pretenso criminoso de cometer um delito, mas a certeza de que ele será punido se o cometer.

Para Beccaria, “um dos maiores freios aos delitos não é a crueldade das penas, mas sua infalibilidade e, em consequência, a vigilância dos magistrados e a severidade de um juiz inexorável, a qual, para ser uma virtude útil, deve vir acompanhada de uma legislação suave. 

A certeza de um castigo, mesmo moderado, causará sempre a impressão mais intensa que o temor de outro mais severo, aliado à esperança da impunidade”. O inquietante é perceber que, 257 anos depois, o livro continua atual e necessário, concluiu Delabrida.

Fonte: TJSC

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