É cediço que a idade avançada tem como consequência a diminuição da compreensão da pessoa, o que a torna mais suscetível a fraudes e práticas abusivas nas relações de consumo.
Com efeito, os idosos são, nesse caso, presas fáceis em um mundo repleto de abusos nas relações de consumo.
Portanto, se já é dever do Estado cuidar do consumidor como parte nitidamente reconhecida como vulnerável nas relações consumeristas, então deve fazê-lo com maior empenho quando ele for considerado, de fato, mais indefeso ainda.
Portanto, foi justamente por isso que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) criou a figura da hipervulnerabilidade como forma de proteção. Diz o art. 39, incisivo IV, da referida lei:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços.
A Vulnerabilidade do Consumidor em Geral
Inicialmente, é importante ressaltar que vulnerabilidade e hipossuficiência são conceitos distintos, embora muito confundidos.
A hipossuficiência é garantida a todos e, portanto, se trata de um princípio amplo no direito brasileiro.
Por sua vez, a vulnerabilidade é uma deficiência processual que busca equiparar fornecedor e consumidor na lide.
Por exemplo, o próprio CDC estabelece que todo o consumidor é vulnerável no mercado de consumo.
Outrossim, tal orientação está expressa no art. 4º, inciso I, dentro do capítulo que trata da Política Nacional de Relações de Consumo:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.
Dessa forma, todos os consumidores são vulneráveis, mas existem alguns grupos que necessitam de uma atenção ainda maior. Daí surgiu a figura da hipervulnerabilidade.
O Consumidor Hipervulnerável
Portanto, o CDC reconhece como hipervulneráveis os idosos, crianças, deficientes mentais, analfabetos e pessoas com saúde debilitada.
Destarte, a eles, a proteção consumerista é ainda maior, motivo que obriga os fornecedores a tratá-los de modo diferenciado.
No caso dos idosos, a proteção é ainda mais reforçada pelo Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003).
Por exemplo, o art. 20 dessa legislação prevê que o idoso tem direito a produtos e serviços que respeitem a sua peculiar condição de idade:
Art. 20. O idoso tem direito a educação, cultura, esporte, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade.
Além disso, o entendimento acerca dos hipervulneráveis também está pacificado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e é ainda mais amplo do que o que prevê a lei.
Outras Classes de Vulnerabilidade
Ademais, segundo Herman há uma classe de vulneráveis que demanda atenção ainda maior.
Ele faz referência a eles em sua obra Manual de Direito do Consumidor (2008):
[…] entre todos os que são vulneráveis, há outros cuja vulnerabilidade é superior à média. São os consumidores ignorantes e de pouco conhecimento, de idade pequena ou avançada, de saúde frágil, bem como aqueles cuja posição social não lhes permite avaliar com adequação o produto ou serviço que são adquirindo.
Casos assim são amplamente protegidos pela jurisprudência.
Veja, por exemplo, esse julgado de 21 de novembro de 2018 da 5ª Turma de Recursos de Joinville (SC):
CONSUMIDORA IDOSA QUE, A PEDIDO DO ENTREGADOR, SUBSCREVE RECIBO ANTES DE OCORRER O DESCARREGAMENTO DOS PRODUTOS E É SURPREENDIDA PELA EVASÃO DO MOTORISTA SEM QUE TENHA OCORRIDO O RECEBIMENTO DA INTEGRALIDADE DA CARGA. BOLETIM DE OCORRÊNCIA. DOCUMENTOS E RELATOS TESTEMUNHAIS QUE CORROBORAM O ALEGADO PELA CONSUMIDORA, DESCONSTITUINDO A PRESUNÇÃO JURIS TANTUM DE VERACIDADE DO RECIBO. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. RECURSO PROVIDO.
Nessa mesma linha, Cláudia Lima Marques delimita a hipervulnerabilidade, em sua obra Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais (2014), como:
a situação social fática e objetiva de agravamento da vulnerabilidade da pessoa física consumidora, por circunstâncias pessoais aparentes ou conhecidas do fornecedor, como sua idade reduzida (assim o caso da comida para bebes ou da publicidade para crianças) ou sua idade alentada (assim os cuidados especiais com os idosos, no Código em diálogo com o Estatuto do Idoso, e a publicidade de crédito para idosos) ou a situação de dente (assim o caso do glúten e as informações na bula de remédios.