Sabe-se que o ramo do Direito Civil que estuda a transmissão dos bens deixados pelo autor da herança aos seus herdeiros é a sucessão.
Outrossim, os herdeiros podem ser legítimos ou testamentários.
Neste último caso o indivíduo, por meio de testamento, um indivíduo possa destinar uma parte ou todo o seu patrimônio a uma pessoa.
Com efeito, o indivíduo pode proceder à abertura da sucessão a fim de dispor de seu patrimônio por meio de testamento, antes de falecer.
Para tanto, pode ser beneficiário alguém ainda não concebido, filho de pessoa indicada por ele, devendo esta pessoa está viva ao abrir-se a sucessão.
Outrossim, o ordenamento brasileiro determina que apenas os herdeiros nascidos ou pelo menos concebidos no momento da abertura da sucessão são os legitimados a suceder os bens deixados pelo autor da herança.
Destarte e diante do princípio da igualdade entre os filhos, trataremos, neste artigo, sobre a relevância do direito sucessório nas relações de família e nas relações patrimoniais, sobretudo no tocante ao alcance do instituto da prole eventual na sucessão testamentária.
Direito Sucessório e Princípio da Saisine
O Direito de Sucessões disciplina a transmissão do patrimônio, ou seja, do ativo e do passivo do falecido ou autor da herança a seus sucessores.
Com a morte, todo o patrimônio do falecido transmite-se desde logo aos seus sucessores, por força do princípio da Saisine.
Por esse princípio, reconhece-se a transmissão imediata e automática do domínio e posse da herança aos herdeiros legítimos e testamentários, no instante da abertura da sucessão.
Com efeito, o autor da herança pode deixar herdeiros ou legatários.
Outrossim, a herança pode ser caracterizada como uma universalidade de direito, isto é, a lei a determina como uma coletividade de bens de forma unitária e indivisível.
Portanto, todos os herdeiros recebem uma fração indivisa do patrimônio, até que sua quota-parte se materialize na partilha.
Em contrapartida, o legado é um bem determinado entre todos os bens que compõem o patrimônio deixado pelo falecido.
Vale dizer, o legatário sucede a título singular, em semelhança ao que ocorre na sucessão singular entre vivos.
Só existe legado, e consequentemente a figura do legatário, no testamento.
Em regra, no Direito sucessório brasileiro, aplica-se o princípio da coexistência, o qual determina que apenas os nascidos ou, pelo menos, concebidos à época da abertura da sucessão.
Em outras palavras, no momento da morte do autor da herança, são os legitimados a suceder o de cujus.
Contudo, o Código Civil traz exceção a esta regra ao admitir que o beneficiário de testamento seja filho ainda não concebido de pessoa indicada pelo testador.
Com efeito, este filho detém de capacidade sucessória por meio de testamento.
Ademais, deve a prole eventual ser concebida dentro do prazo decadencial de dois anos, contados do momento da abertura da sucessão.
Sucessão Testamentária
Inicialmente, ressalta-se que a sucessão testamentária se dá por testamento, instrumento por meio do qual alguém pode dispor da totalidade de seus bens.
Outrossim, o testador somente poderá dispor de todo o seu patrimônio quando não possuir herdeiros necessários.
Dessa forma, caso haja algum herdeiro necessário será preciso reservar a parte da legítima, que corresponde à metade dos bens livros do testador, ou seja, da totalidade de seus bens.
Do restante, metade corresponde à legítima e a outra metade são os bens livres, os quais são passíveis de disposição de última vontade.
Outrossim, o testamento é o instrumento utilizado para que seja efetivada a vontade de alguém, ora denominado de testador, após a sua morte.
Trata-se de um negócio jurídico unilateral, pois é realizado unicamente pelo testador, em que se deve obedecer a sua última vontade.
Estando presentes todos os requisitos necessários de um testamento, poderá o testador deixar bens aos filhos, ainda não nascidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão.
Filiação
A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu texto o princípio da igualdade entre os filhos, estabelecido em seu artigo 227, §6º, da seguinte forma:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Portanto, este princípio constitucional torna proibida quaisquer designações discriminatórias relativas aos filhos, havidos ou não da relação do casamento.
Outrossim, aos filhos adoados devem ser assegurados os mesmos direitos e qualificações.
Vale dizer, todos os filhos, independentemente da origem de sua filiação, devem receber tratamento isonômico, não podendo haver quaisquer distinções entre eles.
Portanto, devem ser detentores dos mesmos direitos, inclusive dos direitos sucessórios.
No mesmo sentido, prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) a igualdade entre os filhos em consonância com o entendimento constante no texto constitucional.
Além disso, o ECA disciplina o instituto da adoção, por meio da qual se estabelece uma relação de filiação entre o adotante e o adotado, passando ambos a terem os mesmos direitos dos pais e filhos biológicos.
Igualdade Entre os Filhos
A adoção pode ser caracterizada como ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, um vínculo fictício de filiação.
Assim, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, o indivíduo é trazido para sua família, na condição de filho.
Por conseguinte, através deste instituto, alguém que não tenha vínculo consanguíneo passa a ser filho de outra pessoa, após sentença judicial.
Assim, recai ao adotante os mesmos deveres dos pais biológicos e, da mesma forma, o adotado é detentor dos mesmos direitos dos filhos consanguíneos.
Além disso, ressalta-se que devem ser incluídos os direitos sucessórios, por força do princípio constitucional da igualdade entre os filhos.
Coexistência e Prole Eventual
O Código Civil dispõe acerca de uma exceção ao princípio da coexistência.
Trata-se da possibilidade de que alguém ainda não concebido no momento da abertura da sucessão possa configurar como parte beneficiária de testamento.
Para tanto, é imprescindível que o filho da pessoa mencionada pelo autor da herança em seu testamento seja concebido dentro do prazo decadencial de dois anos.
Neste caso, quanto à quota-parte que cabe à prole eventual, será necessária a nomeação de curador para administrar os bens do herdeiro ainda não concebido.
No entanto, ultrapassando o prazo supracitado, sem que haja a concepção do beneficiário do testamento, os bens que foram reservados retornarão ao espólio.
Na sequência, deverá ser aberta uma nova partilha entre os herdeiros legítimos.
À luz do princípio constitucional da igualdade entre os filhos, é entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência que a prole eventual do testador pode ser biológica ou não.
Destarte, há a possibilidade da prole eventual ser adotada, com amparo no princípio constitucional da igualdade entre os filhos.
Para tanto, não deve haver qualquer determinação expressa em contrário constante na manifestação de última vontade do de cujus.
Este entendimento vai em consonância com a Constituição Federal de 1988, a qual traz em seu texto o princípio da igualdade entre os filhos.
Consequentemente, todos os filhos serão igualmente possuidores de todos os direitos.
Dessa forma, seria inconstitucional qualquer forma de discriminação entre os filhos, independentemente da origem da prole, seja ela biológica, fruto ou não do matrimônio, adotiva ou socioafetiva.