Repetição de indébito: quando o consumidor pode receber em dobro?
Conforme discorreremos no presente artigo, a ação de repetição de indébito refere-se ao pleito de devolução do valor pago indevidamente.
Por exemplo, se um cliente compra um computador no comércio eletrônico por R$1500, mas são cobrados R$1800 no seu cartão de crédito.
Diante disso, ele teria direito à repetição de indébito pelo valor excedente de R$300.
Essa ação se apoia, primariamente, no direito enunciado no artigo 876 do Código Civil:
Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
Todavia, inexistente a devolução, o credor que recebeu valores indevidamente incorre no ilícito de enriquecimento sem causa, nos termos dos artigos 884 e 885 do CC/2002.
Diferença Entre a Repetição de Indébito Simples ou em Dobro
Inicialmente, a repetição de indébito simples é a mera restituição do valor, e é cabível na ampla maioria dos casos.
Em contrapartida, a repetição de indébito em dobro é a restituição do valor, acrescida do mesmo montante, em caráter indenizatório.
Assim, é cabível somente quando o credor realizar cobrança por uma dívida que já foi paga. Conforme o artigo 940 do Código Civil:
Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.
Além disso, é importante notar que só pode haver pretensão de restituição em dobro se o credor agiu de má-fé.
Como fica explícito no artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Prova da má-fé vs Inversão do Ônus da Prova
Conforme o artigo 6º, VIII, do CDC, aplica-se o instituto da inversão do ônus da prova ao direito consumerista, diante da hipossuficiência da parte consumidora.
Em razão disso, a repetição de indébito em dobro não exigiria prova da má-fé pelo consumidor. Pelo contrário, caberia ao próprio credor provar a ausência de má-fé da sua parte.
Assim, por exemplo, se a causa da cobrança indevida for erro de terceiro e o credor puder demonstrá-lo, ficará obrigado somente à repetição de indébito simples. Isto é, deverá restituir o valor recebido indevidamente.
Outrossim, de sua parte, o consumidor apenas precisa demonstrar a existência de cobrança e de pagamento correspondente.
Todavia, é preciso evidenciar que a própria jurisprudência do Superior Tribunal não é pacífica.
Ajuizamento de Ação de Repetição de Indébito
Precipuamente, para o ajuizamento uma ação de repetição de indébito, há três requisitos essenciais:
- Existência de uma prestação indevida;
- Natureza de pagamento ao ato;
- Inexistência de dívida entre as partes.
Assim, esse terceiro requisito é fundamental pois, havendo uma dívida entre as partes, o pagamento realizado opera a compensação desta dívida.
Portanto, não enseja qualquer repetição de indébito simples ou em dobro.
Outrossim, vale ressaltar que isto também se aplica às dívidas que não podem ser cobradas dentro do ordenamento jurídico brasileiro, como as dívidas de jogos.
Entretanto, a doutrina, diverge em um ponto. Ainda não se pacificou o entendimento acerca do que gera o direito de ação de repetição de indébito.
Dessa forma, parte da doutrina, como destaca Fabricio Bolzan, defende que o pagamento efetivo é o ato gerador de direito.
Em contrapartida, outra parte da doutrina, porém, compreende que o direito já se gera no momento da cobrança indevida.
Prazo Prescricional da Ação
O Código de Defesa do Consumidor não prevê, explicitamente, prazo prescricional para a repetição de indébitos.
No entanto, o art. 27, CDC, dispõe que:
“prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço […], iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria”.
Contudo, há uma questão a ser debatida quanto à aplicação do art. 27 aos casos em comento.
O art. 27, CDC, se refere a danos causados por fato do produto ou do serviço.
Todavia, não se pode falar que a cobrança indevida é um dano direto do produto ou do serviço.
E desse modo, dever-se-iam aplicar as normas relativas à prescrição do Código Civil.
Necessidade de Demanda Judicial Para ter Direito à Repetição de Indébito em Dobro
Segundo o artigo 940 do CC/2002, sim, o credor deve fazer uma demanda indevida.
Observe que, nos termos do artigo 941, mesmo que ele desista da ação antes da contestação, ainda será possível requerer a repetição de indébito em dobro.
Enquanto isso, tomando-se o artigo 42 do CDC, basta que haja uma cobrança (ainda que não por via judicial) para que exista direito à repetição de indébito em dobro.
Não se esqueça de que esse direito só é pleiteável quando existe razão para crer que houve má-fé na cobrança.
Portanto, isso torna mais difícil a construção de um caso sólido, ainda que o ônus da prova recaia sobre o credor.
Levando em consideração o tempo e o desgaste envolvidos no processo, pode ser mais interessante recomendar ao consumidor uma tentativa de resolução extrajudicial do conflito.