O PROCON de São Paulo publicou notícia alegando que tem recebido reclamações de consumidores que, ao utilizar aplicativos para adquirir produtos com entrega em domicílio, foram vítimas de golpes aplicados pelos entregadores.
Neste sentido, no momento da entrega dos pedidos, os entregadores afirmavam a necessidade de um pagamento adicional.
Para tanto, referidos entregadores se utilizavam de máquinas com visor avariado, impossibilitando ao consumidor a conferência do valor debitado.
No entanto, o adicional cobrado era indevido e culminou com prejuízos que variaram entre R$ 1.000,00 e R$ 5.000,00.
Furto Mediante Fraude ou Estelionato?
A questão, nos casos em comento, é a tipificação penal destes golpes. Para tanto, analisaremos as peculiaridades dos institutos do furto mediante fraude e do estelionato.
Furto Mediante Fraude
Dentre os crimes contra o patrimônio, o crime de furto é aquele que recebe em primeiro lugar a atenção do legislador.
Inicialmente, sob o prisma penal, o patrimônio tem maior enfoque sobre os bens, voltando-se para as coisas corpóreas e passíveis de apreensão pelo agente.
Com efeito, o crime de furto tem como elementares do tipo a subtração, a coisa alheia móvel e o fato de a coisa ter sido subtraída para o agente ou para outra pessoa.
Assim, estes pressupostos caracterizam o especial fim de agir do delito, consistente no ânimo de assenhoramento definitivo.
Vale dizer, o que se tutela no crime de furto não é apenas a propriedade, mas também a posse ou a mera detenção.
Portanto, o sujeito passivo do crime de furto é aquele que está com a coisa no momento da subtração, independentemente do título.
Ademais, o emprego da fraude na subtração qualifica o crime de furto, fazendo com que sua escala penal dobre em relação ao furto simples, previsto no caput do artigo 155, do Código Penal.
Por sua vez, fraude pode ser definida como o emprego de de qualquer meio ardiloso ou enganoso, de modo a iludira vítima ou mantê-la em erro, permitindo ou facilitando a subtração de um bem.
Em outras palavras, fraude consiste em uma manobra enganosa destinada a iludir alguém, configurando um modo particularizado de abuso de confiança.
Além disso, para qualificar o crime de furto, a fraude deve ser aplicada antes ou durante a subtração e para facilitar a subtração da coisa.
Finalmente, consuma-se o crime de furto quando, em razão da subtração, a vítima é privada da livre disponibilidade da coisa, ainda que momentaneamente, de modo que o bem ingressa na esfera de disponibilidade do autor.
Estelionato
Por sua vez, o crime de estelionato, tipificado no artigo 171 do Código Penal, também está previsto no rol dos crimes contra o patrimônio.
Neste crime, a fraude constitui-se como elemento essencial, assim como no furto qualificado.
Todavia, no estelionato, o agente não se utiliza de ameaça ou intimidação, mas sim do engano para iludir a vítima e fazer com que ela disponha do seu patrimônio.
Portanto, o estelionato, em si mesmo, constitui uma fraude, na medida em que se configura com a ilusão da vítima e no prejuízo do lesado.
Outrossim, são elementos do crime de estelionato: obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro.
Dessa forma, o agente persuade a vítima, criando para ela uma falsa situação e fazendo-a acreditar nela, que acaba se deixando espoliar.
No entanto, para caracterizar o crime de estelionato, não basta que o agente induza ou mantenha a vítima em erro.
Isto é, além de induzir a vítima em erro, o agente também deve obter vantagem ilícita, que poderá ser em seu próprio benefício ou em benefício alheio.
Ressalta-se que a vantagem ilícita deve possuir cunho econômico, já que o crime é um crime contra o patrimônio.
Golpe da Cobrança Adicional no Momento da Entrega do Produto Adquirido por Aplicativo
Diante do exposto, o furto mediante fraude não se confunde com estelionato.
Assim, destaca-se o fato de que essas pessoas não sabiam o valor do débito em suas contas.
Com efeito, a fraude empregada pelos criminosos consistia, inicialmente, em cobrar um valor adicional que, na realidade, não existia.
Ao concordar com o pagamento, a segunda parte da fraude consistia em utilizar máquinas cujas características impossibilitavam que os valores debitados fossem conferidos.
Isto é, o plano foi elaborado para que, no momento em que efetuado o débito, a vítima não percebesse o valor que estava pagando
Portanto, verifica-se que nestes casos a tipicidade não se modifica conforme a modalidade de pagamento.
Isto porque tanto na modalidade débito quanto crédito, a incidência do crime de furto se consuma no instante em que efetuado o pagamento a vítima não sabe o valor real de que está sendo despojada.
Destarte, deve-se verificar a posição da vítima durante a conduta empreendida pelo criminoso.
Vale dizer, se o plano fraudulento visa a desviar a atenção, a diminuir a vigilância do sujeito passivo para que seja possível atingir seu patrimônio, o caso é de subtração.
Em contrapartida, se a fraude é empregada fazendo com que a vítima, em falsa percepção da realidade, proporcione conscientemente a vantagem ao agente, o caso é de estelionato.