A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que problemas relacionados ao atendimento médico custeado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em hospitais privados não estão sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor (CDC). Portanto, nestes casos, se sujeitam às regras que tratam da responsabilidade civil do Estado.
Assim, a turma rejeitou o recurso de dois profissionais condenados por erro médico. Eles alegavam a ocorrência da prescrição processual.
Alegação da prescrição
Segundo os médicos, não havia relação de consumo no caso, mas prestação de serviço público. Assim, alegaram ser aplicável o prazo prescricional de três anos estabelecido no artigo 206, parágrafo 3º, V, do Código Civil (CC/2002). E, não o prazo de cinco anos previsto no CDC.
Todavia, o colegiado concluiu que o prazo é mesmo de cinco anos. Isso porque, o direito de obter indenização pelos danos causados por agentes de saúde vinculados às pessoas jurídicas que atuam como prestadoras de serviços públicos, quando elas são remuneradas pelo SUS, submete-se à prescrição regida pelo artigo 1º-C da Lei 9.494/1997.
Erro médico
O caso analisado pela turma originou-se em ação de compensação por dano moral ajuizada por uma mulher contra três médicos, em virtude de erro médico. Em razão do suposto erro, ocorreu a morte de seu neto, à época com um ano e 11 meses de idade. Conforme relatado pela avó, o menino foi picado por um inseto, sendo atendido em hospital particular conveniado ao SUS, onde teria recebido tratamento indevido.
Recurso de apelação
Condenados em primeira instância, os réus apelaram sob a alegação de que o caso já estaria prescrito. Contudo o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) entendeu que o prazo de prescrição seria de cinco anos, conforme o artigo 27 do CDC.
Ao STJ, dois dos três réus alegaram a inaplicabilidade do CDC a suposto erro médico em atendimento do SUS. Assim, considerando não haver nenhuma forma de remuneração ou contratação do profissional pelo paciente, e defenderam a incidência da prescrição regulada pelo Código Civil.
Função pública
A ministra relatora, Nancy Andrighi, afirmou que a participação complementar da iniciativa privada na execução de ações e serviços de saúde, admitida pela Constituição, se formaliza por meio de contrato ou convênio com a administração pública. De acordo com o disposto nas Leis 8.080/1990 e 8.666/1993. Sendo, portanto, remunerada com base na tabela de procedimentos do SUS, editada pelo Ministério da Saúde.
Diante disso, a ministra-relatora destacou: “Não há dúvidas de que, quando prestado diretamente pelo Estado, no âmbito de seus hospitais ou postos de saúde, ou quando delegado à iniciativa privada, por convênio ou contrato com a administração pública, para prestá-lo às expensas do SUS, o serviço de saúde constitui serviço público social”.
Nancy Andrighi salientou que há entendimento do STJ no sentido de que o hospital privado conveniado que exerce atividade de relevância pública desempenha função pública. Assim, pelo fato de receber, como contrapartida, pagamento dos cofres públicos. Portanto, da mesma forma, encontra-se o médico que atua com remuneração proveniente de recursos estatais.
A ministra também ressaltou que, na esfera criminal, tanto a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto do STJ estão orientadas no sentido de que os profissionais da saúde que atuam nessas circunstâncias equiparam-se ao funcionário público.
Indivisível e universal
Segundo a relatora, para apuração de responsabilidades em situações como a dos autos, tanto no âmbito civil quanto no criminal, deve-se considerar que o ato ilícito foi praticado no exercício de uma função pública. Assim, devendo-se avaliar se o serviço é prestado de forma singular (uti singuli) ou universal (uti universi).
A ministra explicou, citando a doutrina, que os serviços uti singuli são prestados de forma divisível e singular, remunerados diretamente por quem deles se utiliza, em geral por meio de tarifa. Por sua vez, os serviços uti universi são prestados de forma indivisível e universal, custeados por meio de impostos.
“Diante desse contexto, caracterizando-se a participação complementar da iniciativa privada, seja das pessoas jurídicas, seja dos respectivos profissionais, na execução de atividades de saúde como serviço público indivisível e universal (uti universi), há de ser, por conseguinte, afastada a incidência das regras do CDC”, disse a ministra.
Natureza especial
Portanto, a ministra-relatora concluiu: afastada a incidência do CDC em relação à prescrição, aplica-se o prazo de cinco anos previsto na Lei 9.494/1997. Orientação já definida pelas turmas da Segunda Seção do STJ como a mais adequada para solucionar litígios relacionados ao serviço público, sob qualquer enfoque.
Destacou que o prazo possui natureza especial e não foi revogado, expressa ou tacitamente, pelo artigo 206, parágrafo 3º, V, (CC), que possui natureza geral. Posto que, possui destinação específica aos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público ou privado prestadoras de serviços públicos.
Por isso, apesar de afastar a incidência do CDC nos autos, a relatora entendeu que não seria o caso de reconhecimento de prescrição. Isto porque, a ação de compensação por danos morais foi ajuizada antes do prazo quinquenal previsto no artigo 1º-C da Lei 9.494/1997.
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