Em acórdão proferido pelo TJMS, a 1ª Câmara Cível ratificou a condenação de indenização por danos morais de uma estudante universitária cobrada pelas mensalidades de seu curso, mesmo sendo beneficiária de financiamento estudantil no valor de 100%.
Embora a instituição de ensino tenha interposto recurso de apelação requerendo a improcedência do pedido ou a redução da indenização, os desembargadores votaram pela majoração do quantum fixado na sentença de 1º Grau para R$ 15 mil.
Danos morais e materiais
De acordo com os autos, em outubro de 2014, uma jovem de 23 anos matriculou-se no curso de medicina em uma universidade particular de Campo Grande/MS.
Em abril do ano seguinte, ela conseguiu ingressar no Programa de Financiamento Estudantil do Governo Federal, obtendo 100% do valor da matrícula financiado.
Todavia, passados alguns meses, a estudante foi surpreendida com a cobrança de saldo residual, ou seja, de quantia complementar da diferença do valor arcado pelo FIES com o valor real da mensalidade.
De acordo com relatos da acadêmica, por receio, ela pagou a quantia referente a um semestre inteiro, mas teve, ainda assim, seu nome inscrito nos serviços de proteção ao crédito.
Finalmente, em outubro de 2016, a estudante de medicina conseguiu transferência para uma universidade pública, cancelando a matrícula na instituição privada em janeiro de 2017.
Por conta de todos os transtornos vividos, a jovem ingressou na justiça requerendo que fossem reconhecidas como indevidas as cobranças feitas pela universidade privada, com a consequente devolução, em dobro, de todos os valores pagos indevidamente.
Além disso, pugnou pelo recebimento de indenização por danos morais, decorrentes da ilicitude das ações da requerida e dos abalos morais sofridos com elas.
Legalidade da cobrança
Instada a se manifestar, a instituição de ensino requereu a inclusão do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação no polo passivo.
A requerida alegou a legalidade da cobrança, haja vista que o FIES, no início de 2015, estipulou um teto no valor a ser repassado às universidades e as autorizou a cobrar os alunos eventuais diferenças entre a cobertura máxima do programa e o valor real da mensalidade.
Diante de tais argumentos, a universidade sustentou inexistir danos morais e requereu o julgamento improcedente da demanda.
No entanto, o magistrado do 1ª Grau considerou assistir razão à autora.
De acordo com o juiz, não há que se falar em inclusão do FNDE na ação, uma vez que a questão trazida ao Judiciário recai sobre a validade da cobrança de diferença de valores, não se discutindo as cláusulas genéricas do financiamento estudantil.
Outrossim, o julgador ressaltou que o financiamento obtido pela estudante era de 100% do valor do curso, de forma que cobranças a mais frustrariam o objetivo do Programa de Financiamento Estudantil, qual seja, o de facilitar o acesso do estudante de baixa renda ao ensino superior, além de onerar demasiadamente o contrato.
Cobranças abusivas e desarrazoadas
Assim, considerou as cobranças feitas pela instituição de ensino como abusivas e desarrazoadas, devendo ser mantido o pacto inicial e pagos R$ 10 mil à autora como compensação pelo dano moral sofrido.
Em relação à repetição de indébito, o juiz asseverou que a requerente não fez prova dos valores que teria pago à universidade, de forma que julgou improcedente este pedido.
Descontentes com a sentença, tanto a universidade quanto a estudante apresentaram recurso de apelação.
A empresa privada de ensino reiterou a legalidade de sua cobrança, pois consubstanciada na legislação do FIES e no contrato de financiamento firmado pela acadêmica, de forma que indevida sua condenação no pagamento de indenização.
Já a estudante apelou insistindo na restituição em dobro dos valores pagos, bem como requereu a majoração dos danos morais fixados.
Manutenção da sentença
Em seu voto, o relator do recurso, Des. Marcos José de Brito Rodrigues, destacou a abusividade e desarrazoabilidade de cobranças a mais da estudante por ferir a finalidade do Programa de Financiamento Estudantil e por onerar em demasiado o contrato.
Neste sentido, o magistrado argumentou:
“Quanto à alegada inexistência de ato ilícito não assiste razão à demandada, pois a ilicitude foi configurada em vista desta, na qualidade de instituição de ensino, aderiu voluntariamente às condições do FIES e aceitou, de início, o pagamento efetuado pelo Governo Federal na forma estabelecida pelo contrato. Eventuais consequências financeiras decorrentes de desentendimentos com o FNDE não podem ser repassadas aos alunos que foram contemplados com o benefício, notadamente aqueles que receberam a promessa de que frequentariam às aulas sem ter de desembolsar qualquer valor à Instituição de Ensino”.
No entanto, em relação ao valor da indenização, o desembargador concluiu pelo seu aumento, sob o seguinte entendimento:
“Na ausência de critérios legais para fixar o montante da indenização, inclusive pela negativação indevida, fixada em primeiro grau em R$ 10.000,00 deve ser majorada para R$ 15.000,00 (um mil reais), em vista de que este montante se apresenta adequado à realidade fática, está de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade e, em especial, atende à finalidade de desestimular, no futuro, a reincidência desse tipo de conduta”.