Jornada exaustiva de motoristas da Eldorado como situação análoga à escravidão é reconhecida pela JT

A 1ª Vara do Trabalho de Três Lagoas (MS) classificou a jornada exaustiva dos empregados motoristas da Eldorado Brasil Celulose S.A. como condição análoga à de escravos e determinou a redução do expediente desses profissionais a turnos de até 8 horas diárias, acrescidas de no máximo 2 horas extraordinárias.

Ação Civil Pública

A sentença, subscrita pela juíza Vivian Letícia de Oliveira, foi proferida no julgamento da ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso do Sul (MPT-MS), através da qual foram foram registrados reiterados desrespeitos à legislação trabalhista pela indústria de celulose. 

Jornada exaustiva

Nesse sentido, vários documentos foram juntados ao processo, que assim comprovaram a jornada exaustiva a que os trabalhadores eram submetidos, com o expediente diário acima de 17 horas e intervalo interjornada inferior a 7 horas. 

Diante disso, a procuradora do MPT-MS Priscila Moreto de Paula, autora da ação, declarou: “Na maioria dos casos, os motoristas foram submetidos a mais de 6 horas de prorrogação de jornada, superando, e muito, os limites estabelecidos em lei”.

Decisão

Portanto, de acordo com a decisão da Justiça do trabalho, a Eldorado fica impedida de promover, instituir, ignorar, estimular ou contribuir para a submissão de trabalhadores à condição análoga à de escravos ou outra forma de jornada exaustiva. 

Do mesmo modo, a decisão que obriga a empresa se estende à todas as fábricas, galpões, subunidades e frentes de trabalho. 

Assim, o descumprimento das medidas, sujeita a indústria de celulose à pena de multa diária fixada em R$ 5 mil por item violado e por trabalhador prejudicado.

Medidas preventivas

Além disso, a Eldorado também deverá adotar todas as medidas preventivas possíveis para monitorar, fiscalizar, conscientizar e reprimir seus prestadores de serviços de transporte rodoviário de cargas que venham a contribuir para o desrespeito à dignidade da pessoa humana nas relações de trabalho. 

Inclusive, com a aplicação de sanções e análise prévia da regularidade trabalhista com relação aos empregados.

“O excesso de jornada e a ausência de intervalos para descanso são indubitavelmente fatores de risco de doenças e acidentes. Representa uma degradação de direitos tão grave que configura submissão de trabalhadores motoristas a condições análogas à de escravo por jornada exaustiva”, registrou a procuradora Priscila Moreto, acrescentando que o emprego precário os predispõe inclusive ao uso de drogas como alternativa para cumprir o expediente.

Prorrogação da jornada

Do mesmo modo, a juíza Vivian de Oliveira conheceu outro relevante pedido feito pelo MPT-MS no sentido de declarar inconstitucional o artigo 235-C, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que permitia a prorrogação da jornada normal por até 4 horas diárias, mediante acordo ou convenção coletiva.

O posicionamento, disposto na regra geral inserida no artigo 59 da CLT e na convergência de entendimento de tribunais regionais, destaca que a prorrogação da jornada de trabalho deve ocorrer em consonância com outros preceitos basilares, tanto previstos na Constituição Federal quanto em normas trabalhistas infraconstitucionais, principalmente, a manutenção da dignidade do trabalhador e a redução das possibilidades de acidentes. 

Nesse sentido, a magistrada ressaltou:  “Autorizar a prorrogação da jornada para até 12h diárias, sem se considerar situação de excepcionalidade, seria atribuir ainda maior risco ao trabalhador e a todos que trafegam em rodovias e vias públicas, o que não pode ser chancelado pelo Poder Judiciário”.

Diante disso, na sentença, a magistrada confirmou a decisão liminar de primeiro grau, que determinou à Eldorado a concessão do período mínimo de 11 horas consecutivas para descanso dos seus empregados motoristas e condutores profissionais, entre duas jornadas, observado o disposto no artigo 235-C, § 3º da CLT, quanto à possibilidade de fracionamento desse intervalo de tempo e a coincidência com os períodos de parada obrigatória na condução do veículo (Lei nº 9.503/1997).

Perigo de dano

Na decisão proferida, a Justiça especializada levou em consideração o perigo de dano decorrente do trabalho extenuante imposto aos motoristas, colocando em risco a integridade física e mental deles e de uma coletividade inestimável de pessoas, que ficam vulneráveis ao agravamento do risco de acidentes nas vias públicas em que trafegam caminhões carregados com toras de eucaliptos da empresa Eldorado.

“A quantidade de horas de trabalho exigida dos motoristas de caminhão afronta uma gama de direitos fundamentais prevista constitucionalmente. Viola o direito à saúde, à segurança, ao lazer, à educação, à convivência familiar, entre outros tantos. Além disso, obsta a geração de empregos e estabelece concorrência desleal com outras empresas, também do ramo da celulose e situadas em Três Lagoas, cumpridoras dos limites legais de jornada”, enfatizou a procuradora Priscila Moreto.

Danos morais coletivos

Da mesma forma, a indústria foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 800 mil, que deverá ser revertida a fundo de direitos difusos ligados à seara laboral ou a instituições ou programas/projetos públicos ou privados, de fins não lucrativos, que tenham objetivos filantrópicos, culturais, educacionais, científicos, de assistência social.

Liderança indigna

O transporte rodoviário de carga é o setor recordista em acidente de trabalho no Município de Três Lagoas e, consequentemente, os motoristas de caminhão aparecem no topo da relação de profissionais com maior número de afastamentos motivados não somente por acidente, mas por doenças ocupacionais.

Diante dessa conclusão, a procuradora Priscila Moreto, explica em trechos da ação que essa estatística, é reflexo direto de episódios ocorridos no âmbito da própria indústria de celulose. 

Assim, na unidade em Três Lagoas, do total dos trabalhadores doentes e afastados – com período superior a 15 dias, quase 20% exercem a função de motorista de caminhão. E essa foi a categoria da empresa que ainda mais sofreu acidentes, em 2018, enquanto trabalhava.

Segundo o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, uma plataforma digital do MPT e da Organização Internacional do Trabalho que acompanha os acidentes laborais no país em tempo real, entre 2012 e 2018 foram registrados no Brasil mais de 100 mil notificações de acidentes relativas a transporte rodoviário de carga, considerada para essa estimativa o universo de trabalhadores com vínculo de emprego formal.

Diligências

Em novembro de 2019, o MPT-MS realizou inspeções na cadeia produtiva da empresa Eldorado Brasil Celulose S.A., que procuraram avaliar as áreas atualmente utilizadas para plantio, cultivo, corte e transporte de eucalipto, os locais de armazenamento de agrotóxico, o complexo industrial e as dinâmicas laborais de seus quase 1,3 mil empregados diretos.

As diligências compreenderam extensões de eucalipto cultivadas, próprias e de fornecedores, situadas nos municípios de Água Clara, Bataguassu, Inocência, Selvíria e Três Lagoas. 

Segundo a procuradora do MPT-MS Priscila Moreto de Paula, que esteve nestes locais acompanhada por dois peritos da instituição e um agente de Segurança Institucional, foram analisados aspectos relativos a acidente de trabalho, intermediação de mão de obra, terceirização de serviços, jornada e demais atividades inerentes às pessoas físicas e/ou jurídicas contratadas, de modo que posteriormente sejam adotadas medidas cabíveis quanto às eventuais irregularidades encontradas.

A Eldorado produz celulose branqueada de eucalipto, utilizada na fabricação de embalagens, produtos de higiene pessoal, materiais de escritório, de mídia impressa, de decoração e papéis especiais como os de emissão de comprovantes.

De acordo com o Plano de Manejo Florestal 2019, a unidade industrial e as áreas de plantio (cerca de 230 mil hectares) operam em ritmo de 1,7 milhão de toneladas de celulose por ano.

(ACP n? 0024979-52.2019.5.24.0071)

Fonte: MPT-MS

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