Depoimentos por carta precatória expedida antes de 2015 devem ser transcritos pelo juiz deprecante

A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que: na vigência do CPC/2015, o juízo deprecante¹ é o competente para transcrever depoimento colhido nos autos de carta precatória por sistema audiovisual.

Conflito negativo de competência

O conflito negativo de competência teve origem na 12ª Vara Cível do foro central de São Paulo. Assim, o referido juízo deferiu, em fevereiro de 2013, nos autos de uma ação monitória, a oitiva por carta precatória² de testemunha residente em Goiânia. 

Entretanto, o depoimento foi colhido em maio de 2016, com a utilização de sistema audiovisual; em seguida, foi juntado aos autos a mídia física contendo a gravação do depoimento, em envelope lacrado com a identificação do processo de origem.

Posteriormente, o juízo de São Paulo devolveu o material para que a transcrição fosse feita pelo juízo de Goiânia; contudo, o juízo entendeu que a coleta da prova já tinha sido realizada e que, portanto, não era sua a atribuição fazer a transcrição.

Assim, diante do embaraço, o juízo paulista suscitou o conflito negativo de competência. Argumentou que o deferimento da oitiva de testemunha em comarca diversa, a expedição de carta precatória, a colheita do depoimento e a devolução da carta cumprida constituem ato único. Portanto, uma vez iniciado, deve ser concluído sob a mesma legislação, no caso, o CPC/1973, pelo qual caberia ao juízo deprecado³ providenciar a transcrição.

Atos isolados

O ministro Villas Bôas Cueva, relator do conflito no STJ, declarou que a jurisprudência da Corte se firmou no novo entendimento adotado no novo CPC/2015. Isto é, em matéria de direito intertemporal, adotou a teoria do isolamento dos atos processuais. Isso significa que a aplicação da lei nova somente pode se dar em relação aos atos processuais futuros, e não àqueles já iniciados ou consumados.

Todavia, o ministro declarou: “Apesar de o cumprimento de carta precatória ser composto por diversos atos, esses possuem suficiente autonomia para não serem considerados um ato único; mas, sim, vários atos isolados, aos quais é possível a aplicação de norma processual superveniente”.

O ministro lembrou que a carta precatória é um meio de realização de diligências em comarca diversa daquela onde tramita o processo, sendo que as normas processuais que tratam da carta apenas regulam os seus requisitos (artigos 202 a 212 do CPC/1973 e artigos 260 a 268 do CPC/2015), pois as diligências a serem realizadas são disciplinadas em normas próprias, daí porque sofrem a incidência da lei nova.

Método convencional

O ministro Cueva observou que, na caso dos autos, a expedição da carta precatória foi deferida em fevereiro de 2013, durante a vigência do CPC/1973; já a audiência para a oitiva da testemunha e a devolução da carta para que o juízo deprecado realizasse a transcrição ocorreram em maio e junho de 2016, sob o regramento do CPC/2015.

Assim, segundo o ministro, o CPC/2015 privilegiou a prova obtida por meio de gravação, incentivando a utilização de mídia eletrônica (artigo 460). Ainda, determinando a transcrição apenas quando se tratar de autos físicos, em situações nas quais seja impossível o envio da documentação eletrônica.

Portanto, o ministro-relator avaliou: “Como a gravação passou a ser um método convencional e a transcrição está prevista somente ‘quando for impossível o envio de sua documentação eletrônica’; parece que o juízo deprecado pode realizar a colheita da prova por gravação sem realizar a transcrição; pois se supõe que o envio da mídia eletrônica já é suficiente para se entender o ato como completo, estando regularmente cumprida a carta precatória”.

Por isso, o ministro concluiu que o juízo deprecado cumpriu a carta precatória em sua integralidade. Assim, reconheceu a competência do juízo deprecante para realizar ou autorizar que as partes realizem a transcrição, caso ela se mostre necessária.

Definições dos termos jurídicos

¹ Juízo deprecante: é o juiz da comarca onde tramita o processo e que, nessa condição, expede a carta precatória para outra comarca para que sejam praticados atos processuais.

² Carta precatória: é um instrumento utilizado pela Justiça quando existem indivíduos em comarcas diferentes. É um pedido que um juiz envia a outro de outra comarca. Assim, um juiz, envia carta precatória para o juiz de outra comarca, para citar/intimar o réu ou intimar testemunha a comparecer aos autos. 

³ Juízo deprecado: é o juiz da comarca diversa do processo de origem e que recebe a carta precatória para cumprimento de atos processuais do juízo deprecante.

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