A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que os vícios estruturais de construção estão cobertos pelo seguro-obrigatório do Sistema Financeiro de Habitação-SFH. Portanto, seus efeitos devem se prolongar além da quitação do financiamento. Para os ministros, o seguro deve cobrir o sinistro concomitante à vigência do contrato, ainda que o defeito de construção só apareça depois (vício oculto).
Assim, o colegiado deu provimento ao pedido de indenização de moradores de um conjunto habitacional em Bauru (SP). As casas apresentaram problemas estruturais como rachaduras relacionadas a fundações mal executadas, umidade e madeiras apodrecidas.
O Tribunal de Justiça de São Paulo havia entendido que não caberia cobertura securitária por danos decorrentes de vícios de construção, excluídos expressamente da apólice.
Expectativas do segurado
A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso no STJ, afirmou que o risco coberto pelo contrato de seguro é delimitado previamente; o que acaba limitando a obrigação da seguradora de indenizar. “Contudo, o exame dessa limitação não pode perder de vista a própria causa do contrato, que é a garantia do interesse legítimo do segurado”, assinalou.
Boa-fé objetiva
A ministra lembrou que o artigo 1.443 do Código Civil de 1916, assim como o artigo 765 do Código de 2002, traz a ideia da boa-fé objetiva nos contratos de seguro. Portanto, exige-se tanto do segurado quanto do segurador um comportamento de cooperação, lealdade e confiança recíprocas. Ao citar a doutrina especializada no assunto, a ministra declarou: da essência da boa-fé objetiva, decorre para o segurador o dever de atender às justas expectativas do segurado. Assim, em razão da natureza e da função social do contrato de seguro.
Seguro habitacional obrigatório
De acordo com a relatora, o seguro obrigatório vinculado ao SFH visa à proteção da família, em caso de morte ou invalidez do segurado. Igualmente, visa à salvaguarda do imóvel que garante o respectivo financiamento, resguardando, assim, os recursos públicos direcionados à manutenção do sistema.
“A partir dessa perspectiva, infere-se que uma das justas expectativas do segurado, ao aderir ao seguro habitacional obrigatório para aquisição da casa própria pelo SFH, é a de receber o bem imóvel próprio e adequado ao uso a que se destina”.
“E a essa expectativa legítima de garantia corresponde à de ser devidamente indenizado pelos prejuízos suportados em decorrência de danos originados na vigência do contrato. Esses danos são geradores dos riscos cobertos pela seguradora, segundo o previsto na apólice, como razoavelmente se pressupõe ocorrer com os vícios estruturais de construção”.
Defeitos de construção
A apólice discutida no recurso cobria danos decorrentes de “eventos de causa externa”, ou seja, causados por forças que atuam de fora sobre o imóvel.
Todavia, para a ministra Nancy Andrighi, os defeitos de construção provocam a atuação de forças anormais sobre o imóvel. Isto porque, qualquer esforço sobre alicerces fragilizados é capaz de ocasionar danos que não ocorreriam se a estrutura fosse íntegra.
Dessa forma, destacou a ministra, a interpretação fundada na boa-fé objetiva, tendo em vista a função socioeconômica do seguro vinculado ao SFH, leva a concluir que a exclusão de responsabilidade da seguradora se dá apenas em relação aos riscos resultantes de atos do próprio segurado ou do desgaste natural do bem.
Interesse público
Portanto, não é compatível com a garantia de segurança esperada pelo segurado supor que os prejuízos derivados de vícios de construção estejam excluídos da cobertura.
“Sob a ótica do interesse público, revela-se ainda mais importante essa observação, na medida em que a integridade estrutural do imóvel é condição essencial para que o bem se mostre apto a acautelar o financiamento e, a um só tempo, a atingir sua finalidade de facilitar e promover a construção e a aquisição da casa própria ou moradia, especialmente pelas classes de menor renda da população, assegurando, por conseguinte, a continuidade da política habitacional”, declarou.
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