A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, negou provimento a um recurso da Google Brasil Internet. Assim, manteve decisão que determinou à empresa o fornecimento de informações de usuários de seus serviços no âmbito das investigações no caso Marielle Franco. O assassinato da vereadora e de seu motorista, Anderson Gomes, ocorreu em 14/03/2018 no Rio de Janeiro.
Segundo o ministro Rogerio Schietti Cruz, relator do caso, a autoridade judiciária não é obrigada a indicar previamente as pessoas que estão sendo investigadas. Assim, para que haja quebra do sigilo de dados armazenados, de forma autônoma ou associada a outras informações pessoais. Porquanto, o objetivo da medida é justamente proporcionar a identificação de usuários do serviço ou de terminais utilizados.
Questionamentos da Google
No entanto, a Google questionou decisão da 4ª Vara Criminal da Comarca do Rio de Janeiro que determinou-lhe, em fevereiro/2019, fornecimento de informações. Notadamente, quem transitou por certos locais do Rio de Janeiro, a partir dos dados de busca e de acesso em seus aplicativos.
Segundo a provedora, o ordenamento jurídico brasileiro não admite quebras de sigilo e interceptações genéricas, sem a individualização das pessoas afetadas. Dessa forma, a Google alegou que a medida, determinada de forma genérica, é desproporcional.
Preconceito
Segundo o ministro-relator, a medida não impõe risco desmedido à privacidade e à intimidade dos usuários, e é preciso considerar as particularidades do caso.
“Este assassinato, ao que se pode inferir da narrativa sobre o fato, foi cometido em razão não apenas da atividade da parlamentar Marielle Franco; assim, como defensora dos direitos humanos. Tudo indica tenha sido também motivado porque essa pauta era conduzida por uma mulher, vinda da periferia, negra e lésbica. Elementos que, em uma cultura patriarcal, misógina, racista e preconceituosa, potencializaram a reação de quem se sentia incomodado”, afirmou o ministro.
Para o ministro, nesse contexto, a quebra do sigilo de dados informáticos para auxiliar a investigação do crime não é medida desproporcional. E, obtenção das informações pelas autoridades responsáveis pelo caso não terá reflexos significativos nos direitos fundamentais das pessoas abrangidas pela determinação.
Direito não absoluto
O relator observou que cada vez mais a informação é compartilhada na sociedade com maior velocidade. Portanto, nada mais natural do que a preocupação do indivíduo em assegurar que os fatos inerentes à sua vida pessoal sejam protegidos. Contudo, é preciso ter em mente que o direito ao sigilo não é absoluto, admitindo-se a sua restrição quando imprescindível para o interesse público.
Segundo a jurisprudência do STJ, é possível afastar a proteção do direito ao sigilo quando presentes circunstâncias que denotem a existência de interesse público relevante. Assim, por meio de decisão proferida por autoridade judicial competente, suficientemente fundamentada. Na qual se justifique a necessidade da medida para fins de investigação criminal ou de instrução processual criminal.
Distinção conceitual
O ministro afastou as alegações da Google de que a medida seria genérica e afetaria elevado número de pessoas, sem a correta indicação de suspeitos.
Nesse sentido, o ministro-relator explicou: a determinação do juízo originário foi a quebra de sigilo de dados informáticos estáticos, referentes à identificação de usuários de aplicativos em determinado perímetro geográfico; portanto, diferentemente do que ocorre com as interceptações, as quais dão conhecimento do conteúdo da comunicação travada com o destinatário.
“Há uma distinção conceitual entre a quebra de sigilo de dados armazenados e a interceptação do fluxo de comunicações”, asseverou o ministro. “O ordenamento jurídico brasileiro tutela de maneira diferente o conteúdo das comunicações mantidas entre indivíduos e, a seu turno, as informações de conexão e de acesso a aplicações de internet; dessa forma, garantindo proteção também a essa segunda categoria de dados, ainda que em dimensão não tão ampla.”
O ministro-relator Rogerio Schietti declarou que: é indispensável a individualização das pessoas, na ordem judicial, para o fornecimento de registros de conexão ou acesso não. Assim, de acordo com os artigos 22 e 23 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). “Tal exigência, certamente, se revelaria um verdadeiro contrassenso, na medida em que o objetivo da lei é possibilitar essa identificação”, concluiu.
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