Muitos alunos questionam o porquê é tão importante conhecer o que os escritores do passado já escreveram. A maioria dos professores dá como resposta que o motivo de se estudar literatura é por causa dos vestibulares. Mas, a verdade é que a resposta certa vai muito além do que apenas conteúdo de provas.
A vida vai além de números
Costuma-se dizer que o silêncio de uma criança significa que ela está “fazendo arte”. A verdade é que está fazendo cálculos. O tempo inteiro nós calculamos o mundo. Será que consigo? Será que posso? Será que devo? É evidente que um adulto já tem experiência suficiente para não precisar fazer cálculos simples, o que automatiza muitas das suas ações. Mas a criança não precisa calcular as coisas mais básicas, como se pendurar em uma estante ou morder o rabo de um gato. Ela, é óbvio, consegue e pode (não há nada que a impeça), mas ela deve? Quais serão as consequências? A estante pode não aguentar o peso. O gato com certeza não reagirá à mordida com uma lambida.
É a experiência e a observação de padrões que nos vai capacitando, dia após dia, para errar cada vez menos, para aproveitar mais sensações, para descobrir novidades que nos satisfaçam. É essa experiência que nos capacita para buscar viver mais momentos felizes e menos momentos tristes.
Podemos viver todas as experiências?
Acontece que não podemos viver todas as experiências. Não saberemos nunca como é morrer, por exemplo; como não podemos saber o que é voltar ao passado ou viajar a Marte. São experiências interditadas — pelo menos neste exato momento de nossa história.
Apenas a narrativa ficcional pode nos fornecer essa experiência — ainda que incompleta, ainda que seja uma experiência imaginária. Ao nos sensibilizar, a morte de alguém próximo à personagem com a qual nos identificamos. De certa forma, a literatura nos prepara para as nossas próprias perdas. Sentimos, ainda que fragmentada e distante, a experiência do nunca mais.
A projeção de Mundos Possíveis
Evidentemente, um universo criado por meio de literatura tem seus próprios mecanismos de realidade, fugindo dos estados modais das proposições lógicas. O que interessa aos estudiosos da Literatura, portanto, não é exatamente o desenvolvimento de proposições lógicas por meio da Literatura, mas a discussão sobre a verdade de uma obra, sua verossimilhança, os pressupostos de sua ficção e as relações estabelecidas entre a realidade concreta de nossas vidas e a narrativa desenvolvida na obra.
As projeções de mundos possíveis e o Ser no mundo
De modo que ao ter contato com a narrativa ficcional, de qualquer época, com quaisquer princípios, baseada em tais ou quais pressupostos, criamos e/ou sistematizamos possibilidades e perspectivas de ação para a nossa vida cotidiana. As sensações e sentimentos projetados em outras personas são experiências que vivemos durante uma leitura. Angústia, ódio, afeto, paixão, medo, rancor, ciúmes. Por pouco tempo, em pequena medida, isso nos toca e nos faz experimentar. Prepara-nos.
Mas para isso não precisamos da Literatura, diriam alguns, temos o Cinema, a Música, o Teatro ou qualquer outra criação que possa ser narrativa, ficcional, inventiva. A diferença fundamental da literatura é a formação de imagens a partir de palavras. Enquanto o Cinema nos apresenta uma narrativa em que as imagens passam à frente de nossos olhos em uma sequência, a Literatura descreve aquilo que quer dar a ver, exigindo em contrapartida que usemos as nossas memórias, o nosso repertório de imagens, para criar uma realidade ou outro mundo possível, que sirva de palco para a narrativa que se desenrola no papel. Nenhuma outra forma artística nos exige isso.
Apesar dos problemas que o ensino de Literatura tem é o estudo dela na escola que nos apresenta tudo isso. É a partir da descoberta do que é a personagem, do que é o espaço, do que é o tempo, do que é o foco narrativo, que o estudante adquire ferramentas para mergulhar nas camadas de um texto. O enredo é apenas a primeira delas. Há muitas outras.
Mas, sobretudo a leitura desinteressada e constante é que nos permite acessar os mundos possíveis e impossíveis que nos ajudarão a tomar decisões reais, concretas, cotidianas.