Não viola a garantia de liberdade de expressão a tipificação do crime de desacato 

No entendimento da maioria dos ministros do STF o dispositivo do código penal, que cuida da matéria, foi recepcionado pela Constituição Federal

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão virtual encerrada na última sexta-feira (19/06), por maioria, decidiu, que o crime de desacato (artigo 331 do Código Penal) foi recepcionado pela Constituição de 1988. 

O voto do ministro-relator, Luís Roberto Barroso, foi seguido pela maioria dos ministros quanto à improcedência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 496, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) para questionamento do artigo 331 do Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940).

Questionamentos

O Conselho, em sua ADPF, questionava que a tipificação do delito de desacato a funcionário público no exercício da função ou em razão dela, não menciona a conduta e traz uma normatização indefinidamente vaga. Em consequência dessa incerteza, o tipo penal estaria sendo utilizado para tolher a liberdade de expressão de cidadãos, que ficariam reprimidos a não se manifestar frente às condutas executadas por agentes públicos. De acordo com a entidade, a norma seria incompatível com o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que tutela a liberdade de expressão.

Tratados internacionais

O ministro-relator declarou, ao afastar a ausência da alegada inobservância de tratados internacionais, que nem o texto expresso da Convenção nem a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) proíbem que os Estados-membros se sirvam de normas penais para a proteção da honra e do funcionamento adequado da administração pública, contanto que o façam de maneira equilibrada e fundamentada.

De acordo com o ministro Barroso, nos precedentes internacionais alegados pela CFOAB, a violação ao artigo 13 da Convenção não resultou da mera tipificação em abstrato de crimes contra a honra ou de desacato, porém da utilização indevida do direito penal como instrumento de perseguição e de inibição da liberdade de expressão. Tal circunstância, entretanto, não se uniformiza ao pedido formulado na ação.

Administração pública

O ministro observou que, quanto aos fundamentos da tipificação penal do desacato, ao agir no exercício de seu ofício, o agente público representa a administração pública, se sujeitando a um regime jurídico diferenciado de deveres e prerrogativas.

Em virtude dessa responsabilidade, ao praticar determinadas condutas idênticas às praticadas por particulares, os funcionários públicos são punidos de forma mais rigorosa. Em compensação, possuem prerrogativas próprias para que possam atender adequadamente ao interesse público.

Portanto, de acordo com o ministro Barroso, diante desse contexto  é que se fundamenta a criminalização do desacato. 

“Não se trata de conferir um tratamento privilegiado ao funcionário público”, destacou. “Trata-se, isso sim, de proteger a função pública exercida pelo funcionário, por meio da garantia, reforçada pela ameaça de pena, de que ele não será menosprezado e humilhado enquanto se desincumbe dos deveres inerentes ao seu cargo ou função públicos”.

O ministro ressaltou que o crime de desacato está previsto no capítulo dos crimes praticados por particular contra a administração pública. Isto é, o bem jurídico diretamente tutelado não é a honra do funcionário público, porém da própria administração pública.

Liberdade de expressão

De acordo com o ministro Barroso, para que o crime de desacato, com efeito, tenha potencial de prejudicar o exercício da função pública, deve ser praticado na presença do funcionário público e dessa maneira não envolve eventuais ofensas praticadas por meio da imprensa ou de redes sociais, protegendo-se, dessa maneira, a liberdade de expressão. 

Segundo o relator, não é o suficiente que o funcionário seja ofendido em sua honra, isto é, não há crime se a ofensa não estiver relacionada com o exercício da função.

Limites

O ministro destacou ainda, que na Corte há jurisprudência consolidada e abrangente em defesa da liberdade de expressão, contudo observou que, assim como qualquer direito fundamental, existem limites nos casos em que é utilizada como subterfúgio para o cometimento de violações graves a outros interesses e  contra outros direitos fundamentais. 

Interpretação restritiva

O ministro destacou que, contudo, o dispositivo deve ser interpretado restritivamente, com o propósito de impedir a aplicação de punições injustas e descabidas.

“Os agentes públicos em geral estão mais expostos a análise e à crítica dos cidadãos, devendo demonstrar maior tolerância à reprovação e à insatisfação, sobretudo em situações em que se verifica uma tensão entre o agente público e o particular”, finalizou.

Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Rosa Weber.

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