O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou Ação Civil Pública (ACP) contra a Funai e o Incra devido à Instrução Normativa 09 (IN 09) que excluiu as terras indígenas não homologadas do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef).
Na avaliação do MPF, a IN 09 incentiva a grilagem em terras indígenas porque permite que posseiros tenham uma declaração emitida pela Funai de que os limites de determinado imóvel não estão dentro de terra indígena homologada, mesmo que estejam em áreas reivindicadas por indígenas, em processo de delimitação e de demarcação.
A procuradora da República Gisele Bleggi e o procurador da República Raphael Bevilaqua argumentam na ação que “a IN 09, ao retirar do Sigef as terras indígenas nas demais fases do processo de demarcação, gera uma gravíssima insegurança jurídica, pois atestará para terceiros a falsa ausência de sobreposição com terras indígenas quando, na verdade, a Funai já tem conhecimento dessa sobreposição”.
Na ação civil pública, o MPF solicita que a Justiça Federal obrigue a Funai e o Incra a incluírem todas as terras indígenas no Sigef e no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), mesmo que o processo de demarcação não esteja concluído (como áreas formalmente reivindicadas por indígenas, em estudo de identificação e delimitação, delimitada com os limites aprovados pela Funai, declarada com limites estabelecidos por portaria declaratória do ministro da Justiça, com portaria de restrição de uso para localização e proteção de índios isolados ou em processo de revisão de limites, visando a ampliação da área).
Dessa forma, ao emitir a declaração de reconhecimento de limites de algum imóvel rural, a Funai deverá informar a real situação desse imóvel em relação a terras indígenas já homologadas ou em outras etapas de homologação.
O Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) é uma ferramenta eletrônica desenvolvida pelo Incra e pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para subsidiar a governança fundiária do território nacional.
O Sigef funciona como uma base de dados centralizada que armazena informações fundiárias que servem, inclusive, para orientar políticas de destinação de terras e regularização fundiária.
Na região norte de Rondônia, as terras indígenas que devem ser incluídas no Sigef são Igarapé Lage, Pacaás Novos, Rio Guaporé, Sagarana, Rio Negro Ocaia (localizadas em Guajará-Mirim), Karitiana (em Porto Velho e Candeias do Jamari) e a Reserva Indígena Cassupá/Salamãi (Porto Velho).
No entanto, essas terras indígenas são ocupadas tradicionalmente, homologadas e registradas, porém, possuem processos de revisão de limites territoriais em andamento.
A IN 09 da Funai orienta aos servidores a não levarem em consideração os novos limites para a emissão de declarações de ausência de sobreposição de imóveis de terceiros em terras indígenas.
Diante disso, o MPF afirma na ACP que a IN 09 contraria o caráter originário do direito dos indígenas às suas terras e a natureza declaratória do ato de demarcação, além de criar uma “indevida precedência da propriedade privada sobre as terras indígenas, em flagrante ofensa à Constituição, cuja aplicabilidade se impõe inclusive aos territórios não demarcados”.
O governo de Rondônia, quase simultaneamente à edição da IN 09, encaminhou à Assembleia Legislativa o Projeto de Lei 481/2020 que “institui a política de regularização fundiária de terras públicas rurais e urbanas pertencentes ao estado de Rondônia”.
Entretanto, caso seja aprovado o projeto de lei conforme proposto, as terras indígenas que estiverem em outras etapas do processo de demarcação territorial ficarão juridicamente desprotegidas. Ou seja, terras indígenas poderão ser alvo de destinação irregular a terceiros (grilagem) em Rondônia.
Diante disso, o MPF, por meio de um ofício recomendatório, alertou o presidente da Assembleia Legislativa sobre a ilegalidade da proposta ao não incluir todas as terras indígenas, homologadas ou em fase de homologação.
Em âmbito nacional, o MPF já havia tentando resolver esse assunto de forma administrativa, sem recorrer à Justiça. Logo que a IN 09 foi publicada, 49 procuradores e procuradoras da República lotados em 23 estados do Brasil enviaram recomendação à Funai e ao Incra para quennão cumprissem essa nova norma. Contudo, tanto a Funai quanto o Incra informaram que não seguiriam a recomendação proposta.
Até o momento, já foram ajuizadas 24 ações judiciais em 13 estados brasileiros: Pará, Roraima, Amazonas, Acre, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Ceará, Bahia, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul – perante a Justiça Federal buscando o retorno dos registros das terras indígenas para os cadastros fundiários públicos.
Destas, foram concedidas 15 decisões liminares, outra parte das ações ainda se encontra sob análise judicial, sendo que apenas duas tiveram os pleitos liminares indeferidos. Em Rondônia, as unidades do MPF em Ji-Paraná e Vilhena também ajuizaram ações civis públicas para proteção das terras indígenas das regiões Central e Sul de Rondônia.
(Ações civis públicas números 1004701-37.2020.4.01.4101, 1001758-41.2020.4.01.4103 e 1015110-75.2020.4.01.4100)
Fonte: MPF/RO
Veja mais informações e notícias sobre o mundo jurídico AQUI