Fundo Amazônia: especialistas dizem que desmatamento não está associado ao aumento de produtividade
Nesta segunda-feira (26/10), em continuidade à audiência pública no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 59, especialistas em clima, monitoramento e gestão ambiental foram ouvidos.
O encontro convocado pela ministra Rosa Weber possui com intuito de esclarecer as circunstâncias de fato e coletar informações sobre a alegada omissão inconstitucional da União em relação ao Fundo Amazônia.
Produtividade X desmatamento
O climatologista e professor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), Carlos Nobre, declarou que não há relação direta entre o crescimento da produção agropecuária e a taxa de desmatamento. O pesquisador mencionou que, de 2004 a 2016, houve queda do desmatamento, ao passo que a produção de carne e soja dobrou.
De acordo com o professor, isso comprova que a economia com base na agricultura tradicional pode ser bastante produtiva e que o desmatamento pode cair para próximo de zero.
Modelo de desenvolvimento
Do mesmo modo, ele considerou ser necessário impor um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia, porquanto a continuidade do modelo atual coloca a estabilidade climática do país e do planeta em risco.
Segundo o pesquisador, é necessário buscar uma nova economia com base no maior potencial da Amazônia, sua biodiversidade, que tem maior viabilidade econômica que a retirada da floresta.
Nesse sentido, destacou que o país possui uma grande disponibilidade energética e não é mais necessária a construção de grandes hidrelétricas, que prejudicam o equilíbrio dos sistemas aquáticos naquela região.
O pesquisador também observou que, com os avanços atuais da ciência, é inconcebível que se tenha hoje um modelo de desenvolvimento com base no desmatamento, como o que foi adotado na década de 1970, durante o regime militar.
Estudos detalhados
O professor Departamento de Física Aplicada da USP e ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, declarou que os projetos desenvolvidos no instituto com recursos do Fundo foram fundamentais para aperfeiçoar os sistemas de monitoramento da Amazônia.
Um deles, por exemplo, permitiu estender o monitoramento ao Bioma da Caatinga, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal. O professor observou que a aprovação dos projetos foi realizada a partir estudos técnicos detalhados, que passaram pela análise de avaliadores externos ao Inpe e ao BNDES, que gerencia o repasse de recursos.
Titulação incentiva desmatamento
Já Raoni Rajão, professor de Gestão Ambiental, Estudos Sociais e Tecnologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirmou que a criação de unidades de conservação (UC) e terras indígenas (TI) em locais estratégicos tem relação direta com a contenção do avanço do desmatamento.
Além disso, observou que a utilização de instrumentos de controle e fiscalização continua sendo importante, isto porque, apesar da demora no pagamento, as multas possuem efeito de dissuasão sobre o produtor, pela possibilidade de proibição de venda de produtos a partir da lavratura do auto de infração.
Diante disso, o professor apontou a existência de diversos estudos que demonstram que a titulação de áreas é um fator de incentivo ao desmatamento.
De acordo com Rajão, além da falha do Incra em controlar o desmatamento ilegal nessas áreas, como o custo da prática é alto (cerca de R$ 1 mil por hectare), em geral os proprietários optam por gastar apenas quando têm a garantia de propriedade da área.
Teto de gastos
Por sua vez, a representante do Observatório do Clima, Suely Guimarães, disse que cerca de 60% dos recursos do Fundo Amazônia foram destinados a órgãos públicos.
Segundo ela, o percentual só não foi maior porque a Emenda Constitucional que implementou o teto dos gastos públicos não tem exceção para doações a fundo perdido, o que fez com que alguns órgãos públicos tivessem dificuldades para o recebimento de recursos.
De acordo com a representante do Observatório do Clima, doações a fundo perdido não deveriam ser computadas como gastos públicos, porquanto sua origem não é o orçamento da União. Segundo a especialista, que exerceu a presidência do Ibama durante o governo Temer (2016 a 2018), haveria cerca de R$ 2,9 bilhões disponíveis para novos projetos.
Monitoramento
O diretor-geral do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), Rafael Pinto Costa, destacou que o centro é uma ferramenta do estado brasileiro planejada na década de 1990 e implantada em 2002 em razão da necessidade de integração das agências que atuam na proteção da Amazônia Legal.
Diante disso, o diretor-geral destacou que os dados coletados por diversas fontes, como radares de rastreamento ambiental, possibilitam tanto o monitoramento de eventos extremos, como cheias, secas e queimadas, como atividades ilegais na região.
Já a coordenadora-geral de Operações do Censipam, Edileuza de Melo Nogueira, esclareceu que os dados são analisados pelo Grupo de Integração para Proteção da Amazônia (Gipam), equipe multidisciplinar formada por representantes de 11 órgãos de governo que atuam de forma coordenada para integrar informações e apoiar a operação de garantia da lei e da ordem (GLO) Verde Brasil.
De acordo com a coordenadora-geral, as análises são voltadas para identificar áreas ativas de desmatamento, para que o combate seja feito de forma imediata.
Fonte: STF
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