Os gurus digitais que criam os filhos sem telas

Quando as aulas eram ainda presenciais, os filhos de administradores da Apple, Google e outras empresas tecnológicas de peso eram ensinados “à moda antiga”

Quando escolas procuravam introduzir o uso de tecnologias nas salas de aula — e que até a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estimula esse trabalho dentro das competências gerais e específicas —, é surpreendente saber que uma escola particular em Palo Alto, coração do Vale do Sicílio (Estados Unidos), as telas só chegam para os estudantes quando eles estão ensino médio. Bom, isso era até antes da pandemia do novo coronavírus.

Quando as aulas eram ainda presenciais, os filhos de administradores da Apple, Google e outras empresas tecnológicas de peso eram ensinados “à moda antiga”. Nenhum trabalho sai de uma impressora, os livros didáticos são as próprias crianças que elaboram à mão.

Pierre Laurent, pai de três filhos e engenheiro de computação que trabalhou na Microsoft, na Intel e que preside o conselho da escola, defende que o aprendizado é a emoção. “Criatividade é algo essencialmente humano. Se você coloca uma tela diante de uma criança pequena, você limita suas habilidades motoras, sua tendência a se expandir, sua capacidade de concentração”, diz.

Bill Gates, criador da Microsoft, limitou o tempo de tela de seus filhos. “Não temos telefones na mesa quando estamos comendo e só demos os celulares quando eles completaram 14 anos”, disse ele em 2017. “Em casa, limitamos o uso de tecnologia para nossos filhos”, explicou Steve Jobs, criador da Apple, em uma entrevista ao The New York Times em 2010, na qual disse que proibia os filhos de usarem o recém-criado iPad. “Na escala entre doces e crack, isso está mais próximo do crack”, declarou Chris Anderson, ex-diretor da revista Wired, bíblia da cultura digital, também ao The New York Times.

Laurent, que só deu um celular ao filho mais novo quando ele estava no último ano do ensino básico (14 ou 15 anos), alerta para uma mudança perigosíssima no modelo de negócios, do qual foi testemunha em sua vida profissional. “Qualquer um que faz um aplicativo quer que seja fácil de usar”, explica. “É assim desde o começo. Mas antes queríamos que o usuário ficasse feliz em comprar o produto.

Agora, com smartphones e tablets, o modelo de negócios é diferente: o produto é gratuito, mas são coletados dados e colocados anúncios. Portanto, o objetivo hoje é que o usuário passe mais tempo no aplicativo, a fim de coletarem mais dados ou colocarem mais anúncios. Ou seja, a razão de ser do aplicativo é que o usuário gaste o máximo de tempo possível diante da tela. Eles são projetados para isso.”

A matéria do El País revela a preocupação dos pais e da escola em definir limites. Como a tecnologia se generalizou, hoje as famílias com elevado poder aquisitivo têm mais facilidade para impedir que seus filhos passem o dia na frente de celulares. Enquanto nas famílias de classe baixa e média, as crianças crescem coladas em telas.

Adolescentes de famílias de baixa renda, de acordo com um estudo da Common Sense Media, gastam duas horas e 45 minutos por dia a mais nas telas do que aqueles de famílias de alta renda. Outros estudos indicam que crianças brancas são significativamente menos expostas a telas do que negras ou hispânicas.

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