Na última quarta-feira (16/12), o desembargador federal André Nabarrete, da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), concedeu direito de resposta a um grupo de vítimas e familiares de vítimas da ditadura militar contra a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) por publicação ofensiva à memória e à verdade sobre a Guerrilha do Araguaia, ocorrida durante a ditadura militar.
Nota de retificação
Na decisão, o magistrado determinou ao órgão o prazo de 10 dias para postar a nota de retificação nas redes sociais do governo federal, com a seguinte resposta: “O governo brasileiro, na atuação contra a guerrilha do Araguaia, violou os Direitos Humanos, praticou torturas e homicídios, sendo condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por tais fatos. Um dos participantes destas violações foi o Major Curió e, portanto, nunca poderá ser chamado de herói. A Secom retifica a divulgação ilegal que fez sobre o tema, em respeito ao direito à verdade e à memória.”
Publicação
A Secom havia publicado, no dia 5 de maio de 2020, nas contas oficiais das redes sociais Twitter, Instagram e Facebook, nota sobre a reunião do dia anterior entre o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, e o tenente-coronel Sebastião Rodrigues Moura, conhecido como Major Curió.
A postagem relatou o visitante como “herói do Brasil” no combate à Guerrilha do Araguaia. De acordo com o texto, ele teria ajudado a “livrar o país de um dos maiores flagelos da História da Humanidade”.
Regime militar
Na avaliação do desembargador federal relator André Nabarrete, a postagem do órgão público de comunicação oficial contrasta com reconhecimentos, posições e atos normativos emanados do Estado brasileiro.
Na sua decisão, o magistrado mencionou a Lei nº 9.140/95, segundo a qual o Brasil reconhece sua responsabilidade pelas mortes e desaparecimentos durante o período do regime militar, em decorrência de ações de agentes públicos.
Ações de agentes públicos
Do mesmo modo, o magistrado ressaltou o livro-relatório “Direito à Memória e à Verdade”, publicado pela Secretaria Especial Direitos Humanos da Presidência da República, em 2007.
A publicação do periódico cita o Major Curió nominalmente no capítulo dedicado à Guerrilha do Araguaia como um dos agentes do Estado que atuaram na repressão, à revelia de garantias e direitos humanos, na morte, tortura e desaparecimento de pessoas.
Direito de resposta
“Dessa forma, fica evidente que a nota da Secom está em flagrante descompasso com a posição oficial do Estado brasileiro, que assumiu responsabilidade pelas mortes, torturas, desaparecimentos praticados por agentes estatais ou em nome dele, sobretudo no caso ‘Guerrilha do Araguaia’.
Dessa forma, afasta-se a possibilidade de versões alternativas. Outrossim, enseja o direito de resposta dos autores, na condição de vítimas ou parentes de vítimas”, declarou.
Direito à memória
O desembargador federal André Nabarrete destacou se tratar de direito à memória e à verdade reconhecida pelo Estado brasileiro. “São fatos históricos que dizem respeito a todos, para a preservação da memória e verdade estabelecida em leis, atos normativos, atos simbólicos, reparações, em que os agentes públicos ou em nome deles são qualificados como algozes, violadores dos direitos humanos e não heróis da pátria, como a nota expõe”, registrou.
Perigo de dano
Com relação ao perigo de dano, o magistrado ressaltou que o legislador estabeleceu prazos exíguos, porque entendeu que a ofensa deve ter uma resposta rápida, para que surta efeitos.
Ademais, de acordo com o magistrado, as redes sociais reclamam resposta urgente, principalmente dado o caráter histórico de que se revestem, visto que os eventos da Guerrilha do Araguaia já alcançaram quase 50 anos.
“O tempo, na situação, provoca o esquecimento e solidifica versões da história não condizentes com a memória e a verdade que o Estado assumiu oficialmente”, ressaltou.
Por fim, o desembargador entendeu que a resposta proposta pela parte autora atende aos artigos 2º e 3º da Lei nº 13.188/15. “É proporcional ao agravo, no que toca à forma, conteúdo e características. Deverá ser divulgada e publicada em 10 dias”, concluiu.
(Apelação Cível 5010000-84.2020.4.03.6100)
Fonte: TRF-3
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