A 2ª Turma do TST (Tribunal Superior do Trabalho) manteve a condenação de pagamento de indenização por dano e assédio moral a um programador que ficou incapacitado para o trabalho devido a distúrbios psíquicos, como depressão grave e transtornos obsessivos compulsivos (TOC).
Como informado pelo portal Conjur, o empregado contou que foi contratado em 2013 para atuar como assistente de planejamento e controle de produção. Mas, ao longo do contrato, passou a acumular as funções de programador e analista, sem acréscimo salarial, e com cobranças excessivas por resultados. Em 2015, recebeu o diagnóstico de depressão e TOC, doenças que não tinha antes de ser contratado.
Este caso não é isolado. É comum que muitos profissionais exerçam várias atividades diferentes simultaneamente. Este cenário, conhecido como acúmulo de funções, surge frequentemente devido a estruturas organizacionais enxutas, pressões e demandas de um mercado em constante mudança.
Contudo, o acúmulo de funções pode ter consequências, tanto para o trabalhador quanto para a organização. Infelizmente, o maior prejudicado é o empregado, que sacrifica a sua saúde, muitas vezes, a ponto de ficar incapacitado.
O que é acumulo de funções?
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não fala de forma específica sobre o acúmulo de função. Todavia, a prática diária dos tribunais, o que chamamos de jurisprudência, prevê alguns entendimentos.
O Artigo 468 trata de maneira indireta sobre o assunto, dizendo que: “(…) só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado (…)”.
Assim, fica entendido que, caso haja alguma alteração no contrato de trabalho, o colaborador deve estar ciente disso, desde que ele não seja prejudicado. A partir desse reconhecimento, o funcionário deve ser devidamente remunerado pelas funções extras.
Mas, na prática, vemos que o acúmulo de funções ocorre quando um trabalhador realiza tarefas que vão além das responsabilidades descritas em seu contrato de trabalho, sem a garantia financeira.
Como explica o blog CHC Advocacia:
“Para que se configure acúmulo de função é necessário que haja distinção entre a função inicial e a nova, e o exercício concomitante das duas. Geralmente isso ocorre quando algum funcionário da empresa é dispensado, e suas atividades são repassadas a um empregado que exerce outra função.”
Resumindo, podemos dizer que:
- só ocorre acúmulo de função quando as atividades extras são de natureza muito distinta das funções estabelecidas em contrato;
- o exercício dessas novas atribuições é exigido de maneira habitual, não eventual.
Para entender melhor, podemos considerar os seguintes exemplos:
- Uma vendedora de uma loja de roupas é contratada para atender clientes, demonstrar produtos e realizar vendas. No entanto, se além dessas tarefas, ela também é responsável por fazer café, limpar a loja ou realizar qualquer outra atividade que não estava prevista em seu contrato inicial, isso pode ser considerado acúmulo de funções.
- Um programador é contratado para desenvolver softwares e aplicativos em uma empresa de tecnologia. Porém, se além dessas responsabilidades, ele também é responsável por prestar serviços de suporte de TI, como a manutenção dos sistemas da empresa e resolução de problemas técnicos, isso também pode ser caracterizado como acúmulo de funções.
Quais as consequências do acúmulo de função?
Alan Manoel, advogado trabalhista especializado em doenças ocupacionais, fala que a Síndrome de Burnout é uma das consequências diretas do acúmulo de funções.
“Muitas horas extras, pouco descanso, acúmulo de funções e um ambiente de trabalho tóxico, esse é o caminho certo para adquirir Síndrome de Burnout no trabalho. A estimativa é que cerca de 30% dos brasileiros têm Síndrome de Burnout. Os cortes cada vez mais comuns nas empresas, que causam o acúmulo de função e salários cada vez menores é um dos grandes motivos desse número tão alto”, alerta o especialista.
Não espere sua saúde física e mental ficar por um fio. Se você identificou que está trabalhando em regime de acúmulo de funções, veja o que pode fazer para resolver este problema.
Acúmulo de função: o que fazer?
Remuneração das atividades extras
É comum que esse tipo de situação gere processos trabalhistas. O dever de provar o desvio de função ou acúmulo de função é do empregado, segundo artigo 818 da CLT e artigo 333 do CPC.
Isso quer dizer que, em uma ação judicial, os colaboradores apresentam provas do acúmulo de função. Caso seja comprovado, a empresa deve pagar pelas atividades extras que não estavam previstas e nem descritas no contrato de trabalho.
Rescisão indireta de contrato de trabalho
Além de ter o direito de requerer as diferenças salariais decorrentes do acúmulo de função, o empregado ainda pode pedir a rescisão indireta do contrato de trabalho.
A rescisão indireta é o fim do contrato de trabalho que ocorre em razão de uma falta grave praticada pelo empregador.
Como comprovar o acúmulo de funções?
Provar o acúmulo de funções requer evidências concretas. Aqui estão algumas maneiras pelas quais um funcionário pode comprovar:
Contrato de Trabalho
Um dos pontos de partida mais óbvios é o contrato de trabalho original. Se uma pessoa estiver realizando tarefas que estão fora do escopo descrito neste contrato, ele pode ser usado como uma prova.
Testemunhas
Colegas de trabalho, supervisores ou outros funcionários que podem testemunhar que a pessoa estava realizando tarefas que estavam fora de sua função usual.
Registros e documentos
E-mails, relatórios, agendas ou mensagens de texto podem ser usados como evidências.
Registro de ponto
Se um empregado estiver trabalhando além de seu horário normal para cumprir essas responsabilidades extras, os registros podem ser usados para comprovar a reclamação.
Acúmulo de função: cada caso é um caso
Quando o assunto é acúmulo de função, não há regras taxativas. Por isso, é essencial a avaliação de cada situação por um especialista. Um exemplo que na maioria das vezes é considerado como uma situação de acúmulo de função, é quando um funcionário é demitido, e as funções deste acabam sendo repassadas a outro funcionário.
Se ele passar a exercer, ao mesmo tempo, suas funções originais e outra função com maior responsabilidade e remuneração, mas sem receber à mais por isso, pode ser considerado acúmulo de função.