O debate constitucional em torno dos dois ‘modelos’ de constituição – a ‘constituição jurídica’ e a ‘constituição política’- vem demonstrar isto mesmo: a lei fundamental, entendida apenas como ‘norma jurídica’ superior, ‘juridiciza’ o modelo da ‘sociedade constitucional’, abstraindo dos problemas de ‘legitimação’ e ‘domínio’ dessa mesma sociedade; a constituição reconduzida a uma ‘ordem política’ ‘politiciza’ o mesmo modelo, descurando o problema da ‘legitimação interna’ do direito.
A segunda orientação tem a vantagem de procurar ‘integrar’ o ‘direito’ e a ‘política’, enquanto a primeira se apresenta com maior clareza vinculativa e capacidade de ‘redução da complexidade do sistema’.
Subjacente aos ‘modelos’ constitucionais está uma ‘imagem’ de sociedade e uma ‘teoria de acção’: a constituição, na senda de uma filosofia iluminista (idealista e materialista), tem a ‘função’ de propor um ‘programa racional’ e um ‘plano’ de realização da sociedade; a lei fundamental, de acordo com ‘padrões sistémico-institucionalistas’, tem a ‘função de garantir’ os princípios jurídicos ou ‘regras de jogo’ da ‘sociedade estabelecida’.
A teoria constitucional, diante desses dois modelos aparentemente conflitantes, trilhou o caminho do reconhecimento de normatividade do texto constitucional e relacionou os dois âmbitos dos ditos modelos: político e jurídico.
Destarte, um documento nem só ligado ao Estado (político), nem só ligado à sociedade (normativo).
Neste sentido, as Constituições são documentos normativos do Estado e da sociedade.
Com efeito, a Constituição representa um momento de redefinição das relações políticas e sociais desenvolvidas no seio de determinada formação social.
Dessa forma, ela não apenas regula o exercício do poder, mas também impõe diretrizes específicas para o Estado, apontando o vetor (sentido) de sua ação, bem como de sua interação com a sociedade.
Ademais, a Constituição opera força normativa, vinculando, sempre, positiva ou negativamente, os Poderes Públicos.
Os cidadãos têm, hoje, acesso direto à normatividade constitucional, inclusive para buscar proteção contra o arbítrio ou a omissão do Legislador.
De tudo que já expôs, parece claro que a interpretação das regras e princípios deva ser uma interpretação constitucional.
A Constituição é a base do sistema jurídico e sua observância é imperativa.
Assim, é possível identificar a interpretação jurídica como interpretação constitucional.
Daí que os princípios constitucionais devem ser sempre observados, seja na criação das regras, seja na sua interpretação.
Para tanto, há princípios que determinam o modo de interpretação, até para fins de concretização e efetivação da matriz constitucional.
Destarte, surgem os chamados para além da observância dos princípios constitucionais na aplicação do Direito, mas há princípios de interpretação.
De outro lado, sabe-se que a Constituição merece uma interpretação sistemática.
Portanto, não se pode interpretar um dispositivo constitucional de forma isolada, senão em relação ao todo do texto constitucional, a fim de se manter sua unidade, pois não se pode admitir que houvesse contradições entre seus comandos.
De outro lado, é possível que se tenha conflito entre princípios, quando se analisa um caso concreto.
Isso não significa que está quebrada a unidade da Constituição.
Portanto, a convivência entre princípios, como já explanado anteriormente, deve ser harmônica e aqui reside a arte de interpretar, permeada pela Hermenêutica.
De um lado, por exemplo, pode-se ter o interesse dos veículos de comunicação em expressar livremente seu pensamento (liberdade de expressão, liberdade de imprensa) e, de outro, o interesse do particular em ter sua intimidade e sua honra protegidas.
São interesses igualmente protegidos pela Constituição, por meio de princípios, que devem conviver harmoniosamente no sistema jurídico constitucional.
Indo além, tem-se que a interpretação deve buscar a máxima efetividade da Constituição, ou seja, contemplar a sociedade e seus direitos de maneira efetiva, a partir do texto constitucional.
E aqui temos que os direitos fundamentais são o maior alvo da máxima efetividade constitucional, pois são eles, todos, baseados na dignidade da pessoa humana, princípio fundante do nosso sistema jurídico.
Enfim, não basta que se tenha a vida garantida, mas, sim, garantia de uma vida digna.
A Constituição jurídica logra conferir forma e modificação à realidade. Ela logra despertar “a força que reside na natureza das coisas”, tornando-a ativa.
Ela própria converte-se em força ativa que influi e determina a realidade política e social.
Essa força impõe-se de forma tanto mais efetiva quanto mais ampla for a convicção sobre a inviolabilidade da Constituição, quanto mais forte mostrar-se essa convicção entre os principais responsáveis pela vida constitucional.
Portanto, a intensidade da força normativa da Constituição apresenta-se, em primeiro plano, como uma questão de vontade normativa, de vontade de Constituição.
O sistema constitucional determina a estrutura de repartição de competências, levando em consideração a divisão do poder.
Essa estrutura deve ser respeitada, seja na configuração de novas regras, seja na interpretação do próprio texto da constituição.
E para que assim se dê, lança-se mão do princípio da conformidade funcional, o qual impede a interpretação que possa levar a desestruturação daquilo que a Constituição definiu, em termos de exercício de poder.
A harmonia entre as esferas de poder (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Da mesma forma, quando se trata de Federação, entre seus diferentes níveis (Federal, Estadual e Municipal) deve ser mantida, impedindo-se interpretação dissonante.
Por fim, tem-se que os bens juridicamente protegidos (assim como os diferentes interesses) devem conviver de forma harmoniosa.
Não se pode admitir que, no bojo da Constituição, onde não há hierarquia entre as suas normas, haja preponderância de determinados bens sobre outros.
Assim, eventual sacrifício de bem jurídico em prol de outro bem (ou interesse), deve levar em consideração a harmonia constitucional, a igualdade entre as pessoas e, finalmente, o ideal de vida digna que a Constituição determina.