Suposto “princípio da Covid-19” não pode interferir excessivamente nos contratos
O ministro João Otávio de Noronha, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), afirmou, em debate virtual, que o juiz tem espaço para criar soluções destinadas a conciliar interesses sob os efeitos econômicos da pandemia do novo coronavírus, porém, um suposto “princípio da Covid-19” não pode se transformar em pretexto para interferência nas relações contratuais.
Segundo o ministro, os conflitos econômicos decorrentes da crise sanitária podem ser resolvidos com repactuação de acordos, mas os juízes não devem atender automaticamente aos pedidos de empresas sem demonstração real de desequilíbrio financeiro.
“O mundo empresarial é um sistema de vasos comunicantes. Se um cliente não paga o fornecedor, isso reflete em toda a cadeia produtiva”, ponderou. Para proteger o sistema é necessário o uso de mediação em larga escala “ uma forma de preservar a economia e a ordem jurídica, opinou o magistrado.
Estratégia de guerra
Noronha participou na última sexta-feira (29) do 1º Congresso Virtual do Fórum Nacional de Juízes de Competência Empresarial (Fonajem), que reuniu magistrados, juristas e diversos especialistas de todo o país para discutir temas como os impactos financeiros da pandemia, a insolvência das empresas e o sistema de falências e recuperação judicial.
“A situação exige ser realista. Estamos numa situação de guerra, com um inimigo invisível, mas que fere tanto como uma bala”, disse Noronha, acrescentando que os desdobramentos econômicos da Covid-19 passarão necessariamente pelo Judiciário e que o ordenamento jurídico brasileiro tem instrumentos para lidar com isso.
Erro indesculpável
“A teoria da imprevisão, incorporada pelo artigo 317 do Código Civil, permite a correção de prestações contratuais em casos imprevistos que causem onerosidade excessiva”, afirmou o ministro.
Contudo, ele alertou que não se pode extrair disso uma tendência ao perdão de dívidas. “A Recomendação 63/2020 do Conselho Nacional de Justiça também não sugere a extinção das garantias contratuais indispensáveis para o equilíbrio econômico das instituições financeiras”, apontou. Para o ministro, os juízes que decidem assim cometem um erro indesculpável. “Não há princípio de miserabilidade no direito empresarial, e as garantias são pensadas exatamente para momentos de crise”, declarou.
Noronha lembrou que foi diretor jurídico do Banco do Brasil por dez anos e que sabe que os investidores necessitam de segurança jurídica para empregar seu capital. “O Estado brasileiro deve manter seriedade para atrair o capital nacional e estrangeiro para o pós-pandemia. Temos que tirar o subdesenvolvimento também da nossa cabeça”, comentou.
Base da recuperação
Luis Felipe Salomão, ministro do STJ, também participou do evento em palestra conjunta com a juíza Giovana Farenzena do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Eles trataram da negociação pré-falimentar e dos projetos de reforma da Lei de Recuperação e Falência.
Salomão elogiou a iniciativa do evento e destacou a necessidade de zelar pela solvência das empresas. “Elas serão a base da recuperação econômica na fase pós-pandemia, e não podemos abandoná-las”, comentou.
Henrique Ávila, conselheiro do CNJ, apontou a importância do uso da mediação e incentivou a proatividade do Judiciário para evitar processos judiciais de falência e recuperação. “Muitos juízes já estão trabalhando nessa linha e tentando diminuir a judicialização da economia”, observou. Para o conselheiro, a Recomendação 63 do CNJ, publicada em março deste ano, que recomenda medidas para mitigação dos impactos do novo coronavírus, segue nesse sentido.
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