Nesta quinta-feira (03/12), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deu início ao julgamento conjunto de seis Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) em que se discute a possibilidade da Fazenda Nacional poder, administrativamente, colocar o nome de devedores no serviço de proteção ao crédito e averbar a indisponibilidade de bens desses contribuintes para garantir o pagamento dos débitos a serem executados.
O ministro Marco Aurélio, relator de todas as ações, foi o único a votar e se manifestou pela inconstitucionalidade do artigo 25 da Lei 13.606/2018, na parte que instituiu esse procedimento tributário. Entretanto, o julgamento prosseguirá e deverá ser retomado na sessão da próxima quarta-feira (09/12).
Indisponibilidade de bens
O objeto de questionamento são dispositivos da Lei 13.606/2018, que alterou a Lei 10.522/2002 e instituiu o Programa de Regularização Tributária Rural (PRR) na Secretaria da Receita Federal do Brasil e na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
As referidas normas possibilitam à Fazenda Pública averbar a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto e penhora, tornando-os indisponíveis.
Autores das ações
As ações foram ajuizadas pelo Partido Socialista Brasileiro (ADI 5881), pela Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados (ADI 5886), pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (ADI 5890), pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (ADI 5925), pela Confederação Nacional da Indústria (ADI 5931) e pela Confederação Nacional do Transporte (ADI 5932).
Direito de propriedade
Antes do relator proferir o seu voto, os advogados Felipe Corrêa, Felipe Camargo, Gustavo Martins e Mateus Reis e Montenegro, representantes das partes e das entidades interessadas admitidas no processo, sustentaram que a Constituição Federal exige edição de lei complementar para a regulamentação de crédito tributário.
Nesse sentido, entre outros pontos, os advogados sustentaram que a Fazenda Pública não pode impor constrição do direito à propriedade sem qualquer participação anterior do Poder Judiciário, que é um órgão neutro.
Defesa das normas
Por sua vez, o procurador da Fazenda Nacional, Fabrício de Soller, defendeu a validade dos dispositivos, observando que a averbação preexecutória não expropria bens, uma vez que a indisponibilidade de bens se dá de forma temporária e restrita.
Além disso, o procurador enfatizou que a anotação no registro de bens e direitos de débito em dívida ativa da União possui o intuito de evitar fraudes e dar publicidade a terceiros de boa-fé.
No mesmo sentido, o procurador declarou que a norma foi editada visando dar maior eficiência à recuperação do crédito público e descongestionar o Poder Judiciário.
Arbitrariedade do poder público
Já na avaliação do procurador-geral da República, Augusto Aras, a medida é desproporcional e restringe o direito de propriedade garantido pela Constituição Federal, além de violar a reserva da jurisdição e o devido processo legal, que não pode ser afastado pelo fisco.
Coação e constrição
No entendimento do ministro Marco Aurélio, a medida questionada é “coercitiva e constritiva” e se enquadra no conceito de sanção política, inadmissível pela ordem constitucional e pela jurisprudência consolidada do STF.
Assim, na avaliação do relator, a restrição é desarrazoada e o meio escolhido pelo legislador para satisfazer a obrigação tributária é ilegítimo, posto que, de forma coercitiva, obriga o devedor à satisfação do débito existente, em violação a garantias constitucionais como o devido processo legal, o livre exercício de atividades profissionais e econômicas lícitas e o direito à propriedade.
Além disso, o ministro avaliou que qualquer intervenção estatal excessiva implica afronta ao estado democrático de direito.
Ampliação inconstitucional
Diante disso, o ministro Marco Aurélio destacou que, com base na Constituição Federal (artigo 146, inciso III, alínea “b”), compete à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária.
Na visão do ministro, a norma atacada não se limitou a disciplinar o procedimento para a cobrança de tributos, mas ampliou ao Fisco os instrumentos voltados à satisfação do crédito.
De acordo com o ministro, cabe à Fazenda Pública recorrer aos meios adequados a essa finalidade, “abandonando a prática de fazer justiça pelas próprias mãos, inviabilizando o prosseguimento da atividade econômica mediante a decretação unilateral da indisponibilidade de bens e direitos titularizados pelo devedor”.
Prévia manifestação judicial
Para o relator, o afastamento da necessidade de intervenção do Poder Judiciário desvirtuou o sistema de cobrança da dívida da União. Nesse sentido, o ministro observou que o artigo 185-A do Código Tributário Nacional condiciona a possível indisponibilidade dos contribuintes à formalização prévia de decisão judicial nos casos em que o devedor for devidamente citado, mas não pagar nem apresentar bens à penhora, ou em que não forem encontrados bens penhoráveis.
De acordo com o ministro, a previsão contrária desrespeita os princípios da segurança jurídica, da igualdade de chances e da efetividade da prestação jurisdicional, “que devem ser observados em contraposição à primazia do crédito público”.
Fonte: STF
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