Ao julgar o Recurso Especial (REsp) 1860829, a 6ª Seção do Superior Tribunal de Justiça reformou acórdão proferido pelo TJRJ que, diante da suposta ocorrência de dupla punição pelo mesmo fato, afastou da pronúncia a imputação do crime de aborto a um dentista indiciado por ter matar sua ex-namorada que, na época do crime, estava grávida.
Conforme entendimento da turma colegiada, a jurisprudência da Corte Superior se dá no sentido de que, em se tratando de crime de aborto provocado por terceiro, o bem protegido pela lei é a vida do feto e, no caso de homicídio contra a gestante, o Código Penal tutela a mulher em situação vulnerável.
Bis in idem
Na sentença de pronúncia, foi cominada ao acusado a qualificadora do crime de feminicídio durante a gestação, cumulado com os crimes conexos de aborto e de destruição de cadáveres.
Contudo, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro julgou parcialmente procedente o recurso da defesa a fim de afastar o crime de aborto da pronúncia.
Diante disso, o Ministério Público do RJ interpôs recurso especial perante o STJ sustentando inexiste bis in idem na aplicação, ao mesmo tempo, da qualificadora do feminicídio praticado contra mulher grávida e do crime de provocação de aborto, ambos previstos no Código Penal.
Bens jurídicos diversos
Ao analisar o caso, o ministro Nefi Cordeiro, relator, arguiu que o TJRJ não considerou a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça ao afastar da pronúncia o crime de provocação de aborto.
Segundo o ministro, não merece prosperar o argumento de que a admissão simultânea da majorante do feminicídio cometido durante a gestação da vítima acarretaria dupla punição pelo mesmo crime, prática vedada no ordenamento jurídico brasileiro.
Com efeito, o relator argumentou que esse entendimento desrespeita a jurisprudência do STJ, segundo a qual o art. 125 do Código Penal protege tutela o feto enquanto bem jurídico, ao passo em que o crime de homicídio praticado contra gestante, agravado pelo art. 61, inciso II, alínea h, do mesmo diploma legal, tutela a pessoa em maior grau de vulnerabilidade.
Ao afastar a decisão de pronúncia, Nefi Cordeiro observou que, no caso, trata-se do art. 121, parágrafo 7º, inciso I, do Código Penal, em razão da identidade de bens jurídicos tutelados pela agravante genérica e pela qualificadora em referência.
Fonte: STJ