Durante uma aula virtual que ocorreu no dia 18 de junho, o professor de história, Júnior, 39 anos, foi alvo de racismo por um estudante do 7º ano que utilizou o chat da plataforma on-line para escrever “gorila”. Júnior é professor no Colégio La Salle Abel, uma escola particular de Niterói, no Rio de Janeiro.
Coordenador da área de Ciências Humanas da unidade, o docente contou que não viu a mensagem na hora. Soube apenas após os alunos levarem o caso para a direção da escola.
“Eu estava dando aula por vídeo, então a gente fica explicando e até orienta os alunos para que não escrevam no chat. Eu não vi. Depois, quando acabou a aula normalmente, sem nenhuma diferença dos outros dias, os alunos mesmos que encaminharam para a coordenação o que tinha acontecido, e isso chegou até mim. Aí que eu fui ver o que havia sido escrito no chat”, disse o professo ao G1.
Junior afirmou que ficou “bastante entristecido com a situação”. “Confesso que racismo é uma coisa que a gente experimenta, infelizmente, cotidianamente pelas estruturas da nossa sociedade, mas foi a primeira vez que experimentei isso na escola, em sala de aula. Isso me deixou bastante triste, mas eu estava lidando também com uma criança de 12 anos”, lamentou o docente.
Para o professor, a reação dos outros colegas em questionar o que o aluno escreveu mostra que ele e outros professores fazem um bom trabalho na formação dos jovens.
“Os próprios alunos repreenderam o colega dizendo ‘isso não é brincadeira’, ‘para, tá feio’. Isso me deixa muito contente porque os alunos não aceitaram o ato de racismo”, contou.
“É interessante saber que eles estão atentos a isso, no meio de toda essa discussão que está acontecendo. Eu fico contente por isso, acho que a gente vem fazendo um trabalho de formação, como formador, professor, alguém que estuda a história da África. Fico contente de a gente estar fazendo o nosso papel e ajudando os alunos nessa formação a perceber esse racismo estrutural”, destacou Júnior.
Alguns responsáveis de alunos do colégio se manifestaram contra a atitude do menino. Para eles, houve falta de punição. O professor e a escola negam. O colégio afirma que segue as orientações de um regime interno, que já foram atribuídas punições e divulgou uma nota de repúdio (confira a íntegra da nota da instituição no fim da reportagem).
“Fiquei muito triste e com raiva ao saber do que havia ocorrido. Triste pelo professor, que deve ter sofrido muito ao receber as ofensas, por saber que ainda passamos por isso em pleno 2020, por saber que este tipo de pensamento ainda é passado de pai para filho e de ver que está tão próximo da minha filha. A raiva veio com a falta de posicionamento da escola, que como sempre, em momentos do tipo, fica em cima do muro e não toma ações duras acerca da situação, neste caso, do crime”, afirmou a mãe de uma aluna do 7º ano.
A responsável por um aluno da mesma sala, que presenciou o caso, disse que o sentimento é de indignação. “[Estou] extremamente indignada com a atitude de um aluno. Tão jovem, chamar um professor de ‘gorila’ é uma absoluta falta de respeito pela pessoa e pelo profissional exemplar que é”, declarou a madrasta de um aluno.
Diferente do relato de alguns pais, o professor ressaltou que a escola tomou todas as medidas cabíveis e deu apoio a ele desde o início. “A escola se prontificou a tentar resolver da melhor maneira possível, se reuniu comigo para esclarecer quais seriam as punições cabíveis, o que poderia fazer, como a gente podia resolver toda a situação e elucidar todo o caso. Como foi uma ofensa e uma ofensa grave, a escola conversando junto com os familiares do aluno construiu as etapas do que ia acontecer e uma delas foi: como a ofensa foi no chat, que ele pedisse desculpas também no chat na frente dos colegas. Isso até para ser informativo para os colegas e denunciado o que tinha acontecido”, descreveu o professor.
O profissional disse que também teve uma conversa com a família do estudante. Ele reforçou o papel de importância do colégio no caso e informou que foi criado um Comitê das Relações Étnicas-Raciais dentro da instituição.
“Eu sugeri a escola a criação de um comitê, já estamos trabalhando nisso, para a criação das relações étnicas-raciais para desenvolver políticas que combatam o racismo e ajudem na formação dos nossos alunos, para que atos como esses não se repitam”, disse Junior.
Para o professor, iniciativas como essa e a educação podem transformar não só os alunos, mas também a sociedade. “É importante ajudar os alunos a identificar que existe na nossa sociedade brasileira um racismo que a gente chama de racismo estrutural, ou seja, ele está na estrutura. Não é uma patologia, não é uma doença, não é uma anomalia, mas muito pelo contrário, ele está normalizado”, explicou.
“É normal você enxergar o lugar de negros, pretos em um determinado gueto, em um determinado campo, em uma determinada função, mas esse normal foi construído, então a gente precisa formar bem o nosso aluno para desconstruir esse racismo estrutural, para combater esse racismo estrutural, para mudar esse olhar, e só assim, então todo mundo se sentindo responsável que a gente vai mudar essa sociedade”, emendou.
“Eu fiquei muito feliz que recebi muitas mensagens de alunos, mensagens de carinho dizendo que estavam unidos, que sentiam muito pelo o que tinha acontecido e é isso. Eu acho que isso é mais importante. Mais do que sentir é a nossa ação, a nossa responsabilidade. Uma coisa é sentir muito, outra coisa é eu me tornar proativo no combate a isso. Como é que eu faço isso? Mudando o meu modo de enxergar, agindo em relação a isso e jamais admitindo posturas assim”, acrescentou o docente.
Confira a íntegra da nota do colégio:
À Comunidade Educativa
Colégio La Salle Abel:
Tomando ciência da necessidade de elucidação dos fatos referentes ao lastimável ato de racismo que ocorreu recentemente em nosso Colégio, viemos por meio desta reforçar o nosso compromisso com a comunidade lassalista.
Os Responsáveis pelo Aluno envolvido no ato estão cientes, respondendo pela ação do estudante e em diálogo com nossa Equipe Diretiva e Pedagógica, tendo sido informados sobre as penalidades envolvidas no processo. Vale salientar que estamos seguindo as orientações do Regimento Interno da Instituição e foram atribuídas punições de acordo com a gravidade do fato, algumas já cumpridas e outras em andamento, pois avançam do Regimento Interno para as medidas judiciais, que possuem etapas a serem seguidas. Informamos que o Professor, que é Coordenador da Área de Ciências Humanas e, que foi vítima do ato, está sendo acompanhado os desdobramentos e segue sendo acompanhado pela Equipe Pedagógica e participa da criação de um Comitê Interno que promoverá ações de conscientização e debates sobre o tema, além de participar da elaboração de políticas e da orientação dos docentes para abordagem do tema nos diferentes contextos em sala de aula.
O nosso Colégio está pautado na formação integral do estudante. Valorizamos o acolhimento, mas também a firmeza, agindo rapidamente diante de atitudes que não se coadunam com o indivíduo que queremos formar para fazer a diferença na sociedade. O Colégio La Salle Abel é uma instituição católica que preza pelos valores cristãos e pelos valores lassalistas que fazem parte de nosso processo educativo e são vivenciados desde sempre. Há 65 anos transformamos vidas através da educação, o que não é diferente agora. Como educadores, temos o papel de ensinar o caminho certo e o nosso esforço diário é para ajustar a rota e encontrar o caminho do bem e dos valores que pregamos em nosso dia a dia.
Enfatizamos mais uma vez que repudiamos atos de discriminação de qualquer natureza em nosso Colégio e na Sociedade e que vamos seguir lutando para que direitos sejam mantidos e que deveres sejam cumpridos.
Confira a nota de repu?dio em https://tinyurl.com/nderepudio
Viva Jesus em nossos corações, para sempre!