O Ministério Público Federal (MPF), juntamente com o Ministério Público de Minas Gerais (MP/MG), ingressou com Ação Civil Pública (ACP) contra: a General Motors do Brasil (GMB), o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e a União.
A ACP fundamenta-se em um problema de segurança apresentado pelo veículo Chevrolet Onix, o carro popular mais vendido no país nos últimos cinco anos.
Segurança dos veículos
A finalidade da ação é obrigar a General Motors a realizar recall de todos os veículos do modelo Onix lançados no mercado brasileiro a partir de 2012. Assim, para que ofereçam as mesmas características de segurança preconizadas pelo Programa de Avaliação de Carros Novos para América Latina e Caribe (Latin NCAP).
Campeão de vendas
Desde o lançamento do modelo, no fim de 2012, até outubro de 2018, a Chevrolet vendeu mais de um milhão de unidades do Onix. O que rendeu-lhe uma receita de aproximadamente R$ 8,3 bilhões por ano. No ano passado, a performance se repetiu, com o Onix ocupando, pelo quinto ano consecutivo, o primeiro lugar de vendas no Brasil: foram comercializadas 241.214 unidades, mais que o dobro do segundo colocado.
Teste de segurança
No entanto, ocorre que, de acordo com os MPs, o modelo Onix recebeu, em 2017, nota zero em um teste de segurança. A avaliação considerou a proteção dos ocupantes do veículo em casos de ocorrência de impactos laterais.
Nesse sentido, o procurador da República Cléber Eustáquio Neves destacou: “A deficiência desse modelo é tão gritante, que na realização do teste, sua porta traseira abriu, comprovando-se o alto risco para seus ocupantes, principalmente crianças. Igualmente, apurou-se que o modelo comercializado no Brasil não cumpre a regulação de proteção contra impacto lateral básica das Nações Unidas [UN95]; o modelo equivalente da GM vendido na Europa e nos Estados Unidos possuem resultados muito melhores de segurança do que o disponibilizado no Brasil. Os testes demonstraram que o Onix brasileiro não seria aprovado pela regulação da ONU, nem pela Norma Federal de Segurança Veicular dos Estados Unidos. Isto é, o modelo comercializado no Brasil sequer poderia ser vendido naqueles países”.
Justificativas
No decorrer da investigação, o Ministério Público pediu informações: à GM do Brasil, à Associação Nacional de Consumidores-Proteste, parceira da Latin NCAP no Brasil; e à Secretaria Nacional do Consumidor, órgão do Ministério da Justiça.
A GM argumentou que o veículo atende todas as especificações legais de segurança veicular exigidas no Brasil pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran) e Denatran. Da mesma forma, disse que os testes realizados pela Latin NCAP não significam que o veículo é inseguro. No entanto, com a nova Norma Brasileira de Ensaios de Impacto Lateral ABNT NBR 16204-1, publicada em 2013 e com validade a partir de 2018, atenderá os requisitos previstos na regulamentação.
Por outro lado, a Latin CAP observou que seus critérios têm os mesmos níveis de lesões em passageiros que os critérios utilizados pelas normas da ONU. Para a Latin CAP, a norma prevê que o desempenho do tórax deve ser menor que 42 mm, sendo que no teste foi de 45,32 mm; em outro teste torácico, o desempenho deve ser menor que 1.0 mm/seg, enquanto que no Onix foi de 1.1 mm/seg, e acrescentou que em hipótese alguma a porta poderia abrir-se durante o teste, como ocorreu com a porta traseira do Onix.
Competência específica
A Secretaria Nacional do Consumidor disse que a competência específica para autorizar a comercialização de veículos em território brasileiro é do Denatran. E, que a Latin NCAP é instituição privada, com critérios próprios de avaliação de segurança dos veículos.
Entretanto, para os MPs, o que se percebe é que, desde 2012, a GM do Brasil colocou no mercado brasileiro veículo impróprio e inadequado para uso. Desse modo, contribuindo para a ocorrência de inúmeros acidentes com consequências irreversíveis.
Periculosidade
Apesar da montadora alegar que seus veículos nunca estiveram em desconformidade com os padrões de seguranças impostos pelos órgãos controladores, após o questionamento feito pelo Ministério Público, houve alteração da estrutura das laterais desse modelo; e, em 2018, após nova avaliação, recebeu nota três da Latin CAP.
Portanto, é “evidente que a montadora sabe da periculosidade que esses automóveis proporcionam aos seus proprietários. Por isso, alteraram suas características, para que fosse minimamente resistente a impactos laterais.
Contudo, o fato é que os automóveis vendidos antes dessa alteração continuam circulando pelas ruas, com risco iminente para seus ocupantes. Porquanto, não contam com dispositivos de absorção de energia dos impactos laterais em sua estrutura”, declara o promotor de Justiça Fernando Martins.
Desconhecimento dos consumidores
O procurador Cléber Neves acrescenta que “milhares de pessoas encontram-se desprotegidas, sem ao menos saber dessa característica negativa dos carros que estão em suas mãos. E, do ponto de vista jurídico, o que temos são violações ao Código de Defesa do Consumidor (CDC); por exemplo, ao artigo 10, que impede o fornecedor de colocar no mercado produto ou serviço que sabe, ou deveria saber, que apresenta alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança do consumidor”.
Recall
É diante deste cenário que a ação pede que a Justiça Federal determine a realização de recall em todos os veículos Onix em circulação, para que seja possível sanar ou mitigar com urgência suas impropriedades.
“O direito à informação e o direito à segurança estão entre os direitos básicos dos consumidores, previstos na Lei 8.078/1990. Portanto, o recall diz respeito ao chamamento pelo qual o fornecedor informa ao público e eventualmente convoca os interessados para sanar defeitos encontrados em seus produtos ou serviços”; igualmente, destacam os autores da ação, “caso haja prejuízo físico ou moral em virtude do defeito apresentado, a responsabilidade é unicamente do fornecedor”.
Omissão estatal
Os autores ressaltam também a omissão do Estado brasileiro e da própria legislação quanto ao tema da segurança veicular. Para eles, a legislação brasileira é omissa e ineficaz, porquanto as “normas não impõem todos os testes necessários, nem mesmo seguem padrões internacionais, tais como os sugeridos pela ONU. Também não existe fiscalização efetiva ou sanções aos fornecedores pela inobservância das normas de de segurança”.
Se for considerado que cerca de 35% do valor de cada veículo diz respeito a tributos arrecadados pelo Estado, concluiu-se que, somente com a venda do Onix, o governo arrecade mais de R$ 2 bilhões por ano. Além disso, existem outros tipos de receitas indiretas, como IPVA, pagamento de eventuais multas e os impostos incidentes sobre combustíveis.
De acordo com o Ministério Público, a omissão estatal deriva exatamente disso: “O Onix é uma máquina fabulosa de fazer dinheiro”. Da mesma forma, o Contran e Denatran não tomam providências, porque eventuais acidentes e mortes causados pelo defeito do carro terão um custo menor que uma solução do problema.
Para o Ministério Público, “a Chevrolet, sem que o Estado nada faça a respeito, continua vendendo o malfadado veículo, só que a partir de fevereiro de 2018, por mera liberalidade e benevolência, fez ‘ajustes’ em seu sistema de proteção lateral, justamente o ponto apontado como deficitário e detentor da nota zero na avaliação da Latin CAP. Entretanto, os veículos fabricados antes de 2018, permanecem em circulação, assim como os riscos de insegurança também permanecem.
Requerimentos
Na ACP, os requerimentos, são: para que a Justiça Federal determine a realização, pela General Motors do Brasil, de recall em todos os veículos Onix produzidos desde o fim de 2012. Assim, devendo convocar os proprietários pela imprensa, mediante inserções em jornais, rádios e TV de alcance nacional, para que levem seus automóveis para a concessionária mais próxima a seu domicílio; para que sejam realizados os reparos necessários nas laterais do veículo de forma completamente gratuita.
Outro requerimento é para que a União, através do Contran e Denatran, seja obrigada a alterar a legislação brasileira de segurança veicular; assim, de acordo com os parâmetros internacionais da ONU (UN95), no prazo de 60 dias.
Da mesma forma, requer-se que o Denatran apresente, em até 90 dias, laudo técnico apontando se os veículos modelo Onix da General Motors do Brasil, desde o ano de seu lançamento, foram fabricados em conformidade com os projetos apresentados pela montadora e aprovados pelo órgão.
Finalmente, requer que General Motors do Brasil seja obrigada a indenizar o dano moral coletivo, em percentual mínimo não inferior a 5% do faturamento bruto total obtido com a venda de veículos ONIX desde 2012.
(ACP nº 1008274-07.2020.4.01.3803-PJe)
Fonte: MPF
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