No convívio intenso entre pais e filhos confinados por conta da quarentena, a casa virou sala de aula e a família passou a participar mais da vida escolar das crianças. Pesquisa do Datafolha mostra que 55% dos paulistanos com filhos estão ajudando nas tarefas escolares durante o distanciamento social. O número não difere entre homens e mulheres, mas chega a 69% entre os pais solteiros.
Para 36% dos entrevistados, as horas dedicadas à tutoria aumentaram na comparação com o período anterior ao fechamento das escolas.
A empresária da área de turismo Regina Scripilliti, 44, é mãe de Giulia, 16, Pedro, 12, e Helena, 7. Ela diz que sempre acompanhou de perto a lição de casa, os estudos e o que os filhos estão aprendendo na escola, mas com as aulas remotas a dedicação aumentou.
Ela assistiu a uma aula de cada disciplina dos mais velhos, para saber como era, e acompanha todas as aulas com a caçula. “Ver o professor em ação e saber como são as aulas me confortou muito.”
Meire Nocito, diretora institucional educacional do Colégio Visconde de Porto Seguro, onde estudam os filhos de Regina, diz que a quarentena levou os pais a se envolverem em todo o processo da aprendizagem, sem focar só o resultado. “O valor que a família dá ao aprendizado faz toda a diferença no engajamento do aluno. Acho que esse é um ganho que vai ficar”, afirma.
O maior envolvimento dos pais também serviu para fortalecer o papel do professor, segundo Claudia Aratangy, diretora do Centro de Formação de Educadores da Vila.
“As famílias viram que ensinar é tarefa para profissionais, para quem estudou e se preparou para isso.”
A valorização ocorre também entre crianças e jovens, que puderam entender na prática a importância da escola como espaço de convivência e compartilhamento.
Por isso, avalia Aratangy, o homeschooling, educação domiciliar, deve sair enfraquecido da quarentena.
Há diferenças importantes, contudo, entre escolas das redes pública e privada e entre as próprias famílias, pontua Roseli Fernandes Lins Caldas, diretora da Abrapee (Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional).
“Por mais boa vontade e interesse que muitos pais tenham, há uma limitação na participação. Sabemos dos limites econômicos e de recursos tecnológicos”, diz.
É o caso de Licia de Lima Mendes, 30, mãe de Leandra, 13, e Agatha, 5, que estudam em escolas da rede pública. Auxiliar de acabamento gráfico, Licia trabalha de segunda a sábado e tem pouco tempo para ajudar as meninas. Como elas não têm computador ou celular, estudam com material retirado na escola.
Para os pais de crianças em idade de alfabetização, o ensino a distância causou mais ansiedade. Nesses casos, a diretora Aratangy recomenda adequar expectativa. “Os pais podem chamar a criança para fazer a lista do supermercado e ler histórias juntos. Não precisam se preocupar em alfabetizá-la.”
No caso das crianças maiores, o foco dos pais deve ser motivar os filhos e ajudá-los a criar autonomia, diz Nocito, do Porto Seguro. Por exemplo, auxiliando-os a organizar a rotina de tarefas e assumir responsabilidades como a escolha do horário de estudo.
“A pandemia evidenciou a invisibilidade da pessoa com deficiência”
A professora de português e inglês da rede pública Lara Souto, 34, deficiente visual, sentiu rapidamente o efeito da quarentena na rotina. Ela trocou as três horas gastas no metrô para ir e voltar de dois empregos, na Barra Funda e no Jabaquara (zonas oeste e sul de São Paulo), por mais tempo de sono e lazer.
A mudança não veio sem custo. Para quem estava acostumada a andar em média 6 km por dia e frequentar a academia três vezes por semana, o confinamento dentro do apartamento na Saúde, bairro da zona sul da capital, trouxe dores nas costas.
Para se exercitar, passou a fazer pilates online e comprou uma bicicleta ergométrica. O trabalho remoto com seus alunos, crianças e jovens, também trouxe novos desafios. Apesar de já ter feito aulas a distância, é a primeira vez que se viu nessa situação como professora.
Assim que acessou o sistema de ensino remoto, se deparou com um “captcha” -teste rápido que pede o reconhecimento de caracteres para garantir que o acesso está sendo feito por uma pessoa, não por um robô”.
Há aplicativos que driblam a função para deficientes visuais, mas esse é só um dos detalhes que mostram os desafios da educação virtual inclusiva.
“A pandemia tem deixado em evidência a invisibilidade das pessoas com deficiência. Parece que não fazemos parte dessa narrativa”, afirma Lara, que é também consultora de acessibilidade.
A professora mora no apartamento com o marido, o médico endocrinologista Ricardo Ayello Guerra, 49, também deficiente visual. Ele continua saindo diariamente para ir aos dois hospitais públicos onde trabalha. Lara diz ter medo do contágio pelo coronavírus, mas, como Ricardo não tem contato direto com pacientes de Covid-19, ela fica mais tranquila.
Sobre o futuro, a professora se diz ansiosa. “Acredito que o pós-pandemia vai demorar a chegar. As consequências deste momento vão além da doença. Mas existe esse desejo de gozar de novo da liberdade.” *As informações são da Folha de S.Paulo