Uma reportagem da Folha de S.Paulo mostrou o drama que muitos adultos que estudam pela Educação de Jovens e Adultos (EJA) têm passado atualmente por causa da pandemia do novo coronavírus (Covid-19): a possibilidade de desistirem dos estudos. Especialistas da área ouvidos pela reportagem avaliam que esse grupo é um dos mais vulneráveis com a suspensão das aulas presenciais.
É o caso de Celma dos Santos, 42, que tinha voltado a estudar em 2020 depois de 30 anos longe da escola. Com pouco menos de dois meses de aula, ela já tinha aprendido a ler e escrever algumas palavras, mas as atividades foram interrompidas pela pandemia. Mesmo com o colégio mantendo as aulas remotamente, com lições enviadas pelo WhatsApp, Celma pediu para que não fosse aprovada para a próxima série por considerar que não está aprendendo tanto quanto esperava.
A EJA é uma das modalidades de ensino que recebe pouca atenção das políticas educacionais. Nos últimos anos, teve queda de 17% no total de matrículas no Brasil entre 2010 e 2018, totalizando 3,5 milhões de alunos.
Os especialistas acreditam que a pouca habilidade para lidar com equipamentos eletrônicos, os vínculos frágeis com a vida escolar e o risco de perda significativa de renda familiar são alguns dos fatores que tornam estes alunos mais suscetíveis a não voltar para a escola após a pandemia.
Celma, por exemplo, também encabeça o grupo de pessoas que foi demitido durante a crise do coronavírus. Ela fazia faxina em casas e não teve como continuar os serviços, trazendo consequências não só financeiras, como também a falta de concentração para estudar.
“A professora manda vídeos e áudios explicando as lições, mas é difícil conseguir parar e fazer. Minhas filhas de 12 e 14 anos estão em casa. Tenho que cuidar delas, da casa, da comida. Não é igual na escola onde eu tinha um tempo só para mim, só para aprender”, contou à reportagem.
EJA tem que ser espaço de escuta e acolhimento
O colégio Santa Maria, onde Celma estuda, mantém um projeto social com aulas gratuitas para 632 alunos da EJA. A unidade tem feito adaptações nas atividades a distância para melhorar a comunicação e evitar o abandono de adultos.
As aulas são repassadas pelo WhatsApp, aplicativo usado por quase todos eles. “Percebemos que mesmo sendo por um aplicativo que eles usam diariamente, muitos não conseguem usar para estudar. Eles precisam de um ambiente específico, acolhedor para aprender. Então, agora nosso esforço é para estar presente, escutar e aconselhar sobre diversas situações nesse momento tão difícil”, disse Maria Cecília Ferraiol, diretora da EJA na escola.
Diretores e gestores educacionais afirmam que a principal forma de evitar a evasão desses estudantes no retorno das aulas presenciais é reforçar os laços sociais e de auxílio. A escola deve ser também espaço de escuta e acolhimento.
José de Sousa Júnior, 34, trabalha como chapa no Ceagesp e teve redução de quase 70% no salário, já que ganha pela quantidade de caminhões que descarrega. Mesmo tendo mais tempo em casa, ele disse não conseguir estudar porque precisa ajudar os filhos, de 6 e 11 anos, com as lições.
“É o mesmo assunto que a gente tava vendo na escola, mas não é aula. É bom pra não esquecer, mas não consigo acompanhar sempre. Meus filhos usam meu celular pra estudar também, então o aparelho está sempre ocupado. Entre eu e eles, prefiro que eles continuem estudando”, disse ele, que estava começando o ciclo do ensino fundamental 2 (do 6º ao 9º ano) no Santa Cruz.