A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, manteve a decisão do ministro Gilmar Mendes que revogou a prisão preventiva do promotor de Justiça aposentado Flávio Bonazza, decretada pelo Juízo da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro (RJ), e declarou a competência da primeira instância da Justiça estadual para seu processamento e julgamento. A decisão foi tomada no julgamento de agravo da Procuradoria-Geral da República (PGR) no Habeas Corpus (HC) 181978.
O promotor de Justiça, que se aposentou no decorrer da ação penal, foi denunciado pelo Ministério Público estadual pela suposta prática dos crimes de corrupção passiva e de integrar organização criminosa.
Assim, em razão de sua aposentadoria e da consequente extinção do foro por prerrogativa de função, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) declinou da competência em favor da Justiça Federal, em razão de conexão com ação nela em curso. No Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em decisão monocrática, o ministro relator não conheceu do HC.
No habeas corpus encaminhado ao Supremo, a defesa sustentava não haver conexão entre os atos imputados a Bonazza e os fatos investigados na Operação Ponto Final (desdobramento da Lava-Jato que revelou o pagamento de propina a agentes públicos por empresários do setor de transporte no Rio de Janeiro), a cargo da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro.
Se acordo com a defesa, a competência da Justiça Federal para o processamento e o julgamento das condutas criminosas relacionadas às empresas do setor de transporte público do Estado do Rio de Janeiro tem sido afirmada unicamente pela suposta conexão entre essas condutas e os crimes praticados pela organização criminosa capitaneada pelo ex-governador Sérgio Cabral.
Em razão disso, ao votar pela rejeição do agravo, o ministro Gilmar Mendes reafirmou seu entendimento de que a argumentação jurídica que fundamenta a suposta conexão entre a conduta de Bonazza e os fatos investigados na Operação Ponto Final é a colaboração premiada de Lelis Teixeira, presidente executivo da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor) na época dos fatos.
De acordo com Teixeira, na qualidade de titular da 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Cidadania do Rio de Janeiro, Bonazza teria favorecido os interesses de empresários e agentes de diversas empresas do setor, mediante o oferecimento de informações privilegiadas sobre as investigações em curso e a promessa de inviabilizar o ajuizamento de ações civis públicas contra a organização. Em contrapartida, ele teria recebido vantagem indevida no valor de R$ 60 mil por mês, entre junho de 2014 e março de 2016.
Nesse sentido, o ministro Gilmar Mendes destacou que a jurisprudência do Supremo já pacificou o entendimento de que a colaboração premiada não fixa competência e que, conforme decisão no Inquérito (INQ) 4130, os fatos relatados em colaboração premiada não geram prevenção. Assim, enquanto meio de obtenção de prova, esses fatos, quando não conexos com o objeto do processo que deu origem ao acordo, devem receber o tratamento conferido ao encontro fortuito de provas.
“A regra, no processo penal, é o respeito ao princípio do juiz natural, com a devida separação das competências entre Justiça Estadual e Justiça Federal”, afirmou o ministro-relator. De acordo com o relator, a competência não pode ser definida com base em critério temático e aglutinativo de casos atribuídos aleatoriamente pelos órgãos de persecução e julgamento, “como se tudo fizesse parte de um mesmo contexto, independente das peculiaridades de cada situação”.
Com relação a prisão preventiva, Gilmar Mendes reafirmou que não há elementos concretos que justifiquem a necessidade de segregação cautelar ou que demonstrem sua periculosidade, mas somente se fundamenta em “suposições e ilações”.
O decreto prisional utiliza como principal fundamento para a prisão um fato ocorrido em 31/10/2019, quando Bonazza teria solicitado a exclusão de sua conta de e-mail da provedora Apple, após o vazamento de notícias da possível colaboração premiada de Lelis Teixeira e depois de Jacob Barata, então dirigente da Fetranspor, ter admitido a existência de “caixinha” para pagamentos periódicos de propina a agentes públicos.
Na avaliação do ministro Gilmar Mendes, não é possível afirmar com convicção que conduta de Bonazza tenha o objetivo de causar embaraço às investigações, tampouco indica que ele tenha praticado atos para evitar a persecução penal. “A gestão de contas de e-mail, sua criação e exclusão são atos corriqueiros, e é suposição afirmar que a exclusão tenha sido feita com essa finalidade”, conclui o relator.
O voto do ministro Gilmar foi acompanhado, integralmente, pelo ministro Nunes Marques, em seu primeiro julgamento na Corte, e pelo ministro Ricardo Lewandowski. Por sua vez, a ministra Cármen Lúcia acompanhou o relator apenas em relação à revogação da prisão preventiva de Bonazza, divergindo quanto à competência para processá-lo e julgá-lo, que, sua avaliação, é da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Já o ministro Edson Fachin votou pelo acolhimento do agravo da PGR e pelo não conhecimento do habeas corpus.
Fonte: STF
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