O juiz pode lançar mão das medidas coercitivas autorizadas pelo artigo 139, inciso IV, do CPC, aos que se recusam fornecer material para exame de DNA.
E não só contra quem seja parte passiva na ação de investigação de paternidade, mas contra outros familiares do suposto pai.
O entendimento foi manifestado pela 2ª Seção do STJ ao acolher uma reclamação e cassar sentença de primeiro grau.
A sentença, contrariava julgamento do tribunal em recurso especial, extinguindo processo de investigação de paternidade sem apuração da alegação de fraude no primeiro exame de DNA.
O exame foi feito há mais de 25 anos, e antes de esgotadas as possibilidades de realização de novo exame após a morte do suposto pai. A decisão foi unânime.
A apuração de uma possível fraude na primeira prova de DNA, indicou resultado negativo para o vínculo biológico paterno.
E, a realização de novo exame genético foram determinadas pela Terceira Turma do STJ, que, ao julgar recurso especial, afastou a coisa julgada do processo. Em consequência, os autos retornaram à primeira instância.
Como os familiares do suposto pai falecido não compareceram para fazer o segundo exame, o juiz extinguiu o processo. Considerando haver apenas uma alegação de fraude sem provas relativa ao exame anterior.
O juiz declarou ter havido coisa julgada na primeira ação de investigação de paternidade.
Ele entendeu que não seria aplicável a presunção de paternidade prevista na Súmula 301 do STJ.
Declaração
A ministra Nancy Andrighi, apontou que o juiz, em nova análise do processo após a decisão da Terceira Turma, considerou não haver prova da fraude.
Mas, apenas a declaração de uma pessoa que não participou da realização do exame de DNA, o que não seria suficiente para justificar a apuração.
Entretanto, a relatora da reclamação, lembrou que essa declaração foi a mesma na qual a Terceira Turma se baseou, no julgamento do recurso especial.
Declaração utilizada para concluir que seria prova indiciária suficiente para provocar a reabertura da fase de instrução e a apuração da veracidade do seu conteúdo.
Segundo a ministra, em razão do longo tempo transcorrido da realização do exame, o próprio acórdão da turma indicou as providências que deveriam ser adotadas.
Portanto, providências como a oitiva do declarante e dos médicos envolvidos, para a apuração da suposta fraude.
Impedido de agir
Em relação à um novo exame, Nancy Andrighi ressaltou que há apenas um herdeiro reconhecido do suposto pai, porém foram localizados dois irmãos do falecido.
No dia designado para o exame, apenas o suposto filho compareceu ao laboratório.
Segundo a ministra, o magistrado considerou não ser viável a integração do polo passivo pelos irmãos do falecido, pois eles não seriam herdeiros necessários.
Além disso, o juiz entendeu que a recusa dos envolvidos em fornecer material genético não poderia levar à presunção de paternidade (Súmula 301).
Especialmente, por haver coisa julgada na ação investigatória anterior, que teria sido afastada pelo STJ tão somente para a realização do novo exame de DNA.
Segundo a relatora, a apuração sobre a existência de fraude no exame realizado na primeira ação investigatória, não foi concluída, como expressamente determinado pela 3ª Turma.
Assim, apenas se tivesse sido concluída é que se poderia cogitar a aplicação ou não da presunção de paternidade. Isso, em razão da negativa de fornecimento de material biológico pelos familiares próximos.
Com base em precedentes do STF, Nancy Andrighi reconheceu não ser possível conduzir coercitivamente o investigado para a coleta do material genético. Porquanto, se trata de medida que viola a liberdade de locomoção do indivíduo.
“Isso não significa, todavia, que possa a parte ou o terceiro colocar o magistrado de mãos atadas, desrespeitando injustificadamente a ordem judicial”.
”Ou seja, não comparecer ao local da perícia, sem que haja nenhum instrumento eficaz para dobrar a resistência de quem adota postura não cooperativa/ colaborativa”.
“Sobretudo, quando a inércia gera o non liquet instrutório justamente em desfavor de quem coopera e de quem colabora para o descobrimento da verdade”.
O non liquet é uma expressão advinda do Direito Romano que se aplicava nos casos em que o juiz não encontrava nítida resposta jurídica para fazer o julgamento e, por isso, deixava de julgar.
Medidas coercitivas
Nancy Andrighi destacou que o entendimento da Súmula 301 não pode ser considerado absoluto e insuscetível de relativização.
“Pois, maior do que o direito de um filho de ter um pai, é o direito de um filho saber quem é o seu pai”.
Consequentemente, ao votar, a ministra entendeu ser necessário cassar a sentença para determinar que seja concluída a instrução sobre a filiação do autor da ação.
Devendo o juiz, se preciso, adotar as medidas indutivas, mandamentais e coercitivas autorizadas pelo artigo 139, inciso IV, do CPC.
Para somente então, no caso de ser impossível a elucidação da questão, decidir com base em ônus da prova e presunções.
“As medidas devem ser direcionadas não só ao herdeiro reconhecido, como também aos irmãos do falecido, ainda que ostentem a condição de terceiros na ação”.
Essa possibilidade de extensão tem amparo no entendimento da doutrina sobre o conceito de legitimidade processual.
Devendo não mais se referir apenas à hipótese clássica de legitimidade para a demanda, mas também à legitimidade para atos processuais específicos.
“É afirmativo que um terceiro, independentemente da existência de circunstância legitimadora de ser parte ou interveniente, poderá ser instado a participar de determinados atos processuais”.
Inclusive na seara instrutória, o que, na verdade, não é sequer uma grande novidade. Por conseguinte, na medida em que terceiros, observado o contraditório, poderão ser obrigados a exibir documento ou coisa que se encontre em seu poder.
Sob pena de busca e apreensão em que se admitirá a adoção de medidas indutivas, coercitivas, sub-rogatórias ou mandamentais (artigos 401 a 404 do CPC).
Por isso, procedimento que igualmente deve ser aplicado à hipótese”, finalizou a ministra ao julgar procedente a reclamação.
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