Acúmulo e desvio de função – você sabe a diferença?

A crise causada pela pandemia da Covid-19 levou muitas empresas a demitir funcionários, permanecendo sem contratar alguém no lugar deste. De fato, a queda na produção de muitos setores justificou esta medida, adequando o volume de trabalho à quantidade de pessoas trabalhando.

Neste primeiro trimestre, alguns setores começaram a entrar em recuperação, com a demanda de trabalho aumentando. Mas, o que era para ser uma boa noticia significa sobrecarga para muitos trabalhadores, que ainda estão fazendo a sua função somada à mais outra, ou ainda exercendo uma função para qual não foram contratados.

Estas práticas, infelizmente, são muito comuns e chamadas de acúmulo e desvio de função. Muitas vezes o trabalhador sequer se dá conta que está sendo submetido à isso. Quando nota algo errado, muitos não sabem se sua situação se enquadra em algo que exija ação jurídica.

Em alguns casos, falta apenas uma atualização da situação do empregado, por parte do empregador. Em outras, há um flagrante desvio de direitos, com o trabalhador sendo lesado seriamente. É preciso avaliar cuidadosamente cada situação.

Acúmulo de função

Acúmulo de função é quando o trabalhador faz a sua própria função, e ainda, atividades diferentes do seu cargo. Isso deve acontecer de forma habitual.

Um exemplo são os motoristas de ônibus, que nos dias de hoje, também, cobram a passagem. Isso é um acúmulo de função, que deve ser devidamente registrado.

Não há na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) uma tipificação específica, que defina o que é acúmulo de função, pois essa é uma questão um tanto subjetiva. O artigo 456, parágrafo único, da CLT, que fala sobre o Dever Geral de Colaboração. Consta nele que o funcionário pode exercer várias funções que orbitam em torno da sua função principal, sem que isso sobrecarregue seu trabalho e caracterize acúmulo de função. Então, por causa da sua função, o trabalhador poderá ser responsável por realizar outras tarefas que não estão discriminadas no contrato, mas que são compatíveis com sua atividade.

Se isso acontece em seu caso, antes de pensar em ajuizar uma ação, conheça bem a sua Convenção Coletiva de Trabalho. Nela, pode haver uma regulamentação do acúmulo de função, de maneira legal, com o acréscimo determinado, sem desvirtuar em muito o contrato de trabalho.

Desvio de função

Em hipótese alguma, o empregador pode exigir uma tarefa que não seja própria do cargo ocupado pelo empregado. Desvio de função é quando o trabalhador exerce uma função diferente para a qual ele foi contratado, sem acontecer a alteração contratual e reajuste salarial. O desvio de função não exige que haja habitualidade.

O desvio de função acontece comumente em casos de que o empregado foi contratado para uma função e foi colocado em outra superior, na qual ele deveria estar recebendo mais. Ou o caso do vendedor que passou a fazer cobranças no caixa, aonde existe legalmente o pagamento de quebra de caixa.

Se comprovado o desvio de função, é possível pleitear a rescisão indireta (quando o funcionário vai à justiça requerer sua demissão, com a garantia de direitos rescisórios), principalmente se acontecer de forma unilateral (sem a aprovação do empregado). O artigo 468 da CLT fala que qualquer mudança contratual não pode ser feita por exclusiva atitude do empregador. Isso deve ser feito por um acordo formal entre as partes.

Adicional salarial em caso de acumulo de função

A lei é um pouco vaga sobre isso, e as decisões tomadas em tribunais são variadas. Algumas profissões tem previsões legais de pagamentos adicionais em caso de desvio de função.

Alguns resolvem isso com um acordo verbal, e o conhecido “pagamento por fora”. Qualquer tipo de pagamento não regularizado é ilegal e prejudicial, tanto a quem paga como a quem recebe.

Equiparação salarial

Outra situação que vem à tona quando discute-se funções e salários é a equiparação salarial. Alguns funcionários percebem uma discrepância muito grande entre seu salário e o do colega na mesma função. Isso se torna mais grave quando acontecem diferenças de sexo, racial ou outra razão discriminatória.

Quando você e um colega exercem exatamente a mesma função, mas possuem uma diferença salarial sem nenhuma razão justa, pode ser um caso que exija equiparação salarial.

Este tema foi impactado pela Reforma Trabalhista. O artigo 461 da CLT fala que cabe a ação de equiparação salarial em caso trabalhadores com “idêntica função e trabalho de igual valor” (mesma produtividade e igual perfeição técnica).

Nesta situação, temos dois elementos: o paragonado, que é aquele que está pleiteando a equiparação, e o paradigma, que é aquele cuja remuneração se almeja. Ambos devem ser contratados pelo mesmo empregador e na mesma cidade, e ter um tempo de exercício na função de até dois anos de diferença, e tempo de empresa inferior à quatro anos de diferença.

A equiparação salarial não pode ser requerida em empresas que possuem quadro de carreira, seja ele estabelecido por norma interna ou coletiva.

Também é acrescentado no artigo 461 da CLT que o trabalhador readaptado em qualquer função, por doença física ou mental, colocado em funções compatíveis com a sua atual condição, não pode ser utilizado como paradigma para fins de equiparação salarial. Ao mesmo tempo, sua estabilidade financeira é garantida por ser proibida sua redução salarial.

No caso de comprovada a discriminação de remuneração entre os empregados, além da diferença salarial, o empregador está sujeito a pagar uma multa de 50% dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social.

Prejuízos do acumulo ou desvio de função

Os empregadores são alertados constantemente dos riscos de deixarem seu corpo de trabalho “bagunçado”, com pessoas exercendo as mais diversas funções, sem acordo nenhum. Adequar as suas atividades de acordo com a realidade da empresa e capacidade do trabalhador evita reclamatórias trabalhistas onerosas.

No caso do trabalhador, exercer uma função para a qual não está contratado ou acumular funções traz prejuízos reais. No caso da falta de reajuste salarial, por mais que seja pouco, o trabalhador deve notar que essa diferença incide em FGTS, em verbas rescisórias, em um futuro aviso prévio e na sua própria previdência. Não se deve minimizar os impactos.

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