O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, é contra a publicidade digital voltada a crianças. Em seu primeiro discurso sobre Estado da União ao Congresso Nacional, Biden pediu a proibição da publicidade infantil em mídias como TikTok, Facebook e Instagram. Para ele, as plataformas devem ser responsabilizadas pelos experimentos lucrativos aos quais estão expondo as crianças norte-americanas por meio da coleta de dados pessoais, e a necessidade de fortalecer a proteção à privacidade das crianças.
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Segundo dados do Unicef, as crianças representam um terço dos usuários de Internet em todo o mundo, o que se mostra um amplo mercado para a publicidade. No Brasil, a publicidade infantil já é proibida, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor e na Resolução 163 do Conanda, além de outras Leis e normas.
Mas a regra não vem sido seguida no ambiente digital. Segundo o Instituto Alana, que há 15 anos debate sobre os impactos da publicidade infantil, inclusive no ambiente digital, as plataformas continuam mantendo a prática. “Apesar do Brasil já ter leis desde 1990 que proíbem o direcionamento de publicidade a crianças, anunciantes e plataformas digitais continuam ilegalmente com esta abusiva e antiética prática, explorando comercialmente crianças e violando seus direitos”, afirma Pedro Hartung, diretor de Políticas e Direitos da Infância do Instituto Alana.
Para ele, o pronunciamento do presidente norte-americano mostra a importância de se enfrentar definitivamente a proibição da publicidade infantil para saúde e proteção de todas as crianças. Isso vale até para os pequenos no Brasil, que são igualmente afetados pela presença de comunicação comercial em plataformas digitais de empresas que têm sede, em sua maioria, nos Estados Unidos. “A responsabilização de anunciantes e plataformas digitais nos EUA será muito bem-vinda e celebrada no mundo inteiro”, diz Hartung.
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A Organização das Nações Unidas (ONU) também já tomou medidas para proteger as crianças no ambiente digital. Em 2021, o órgão lançou o Comentário Geral nº 25 sobre os direitos das crianças em relação ao ambiente digital que, entre outras recomendações, reforça o dever dos Estados em tomar as medidas adequadas para prevenir, monitorar, investigar e punir qualquer desrespeito aos direitos da criança por parte das empresas, incluindo a proteção infantil frente à exploração comercial, inclusive com relação à publicidade infantil e o marketing baseado em dados.
O Instituto Alana conta com o programa Criança e Consumo, que vem acompanhando a transformação das estratégias de publicidade infantil ao longo dos anos. Cada vez mais, as empresas vêm investindo no ambiente digital, seguindo tendências e novos formatos e, ainda, de maneira camuflada em conteúdos de entretenimento. O programa já promoveu dezenas de denúncias aos órgãos de Defesa do Consumidor e Ministérios Públicos sobre publicidade infantil realizada ilegalmente nas plataformas digitais.
Uma dessas denúncias resultou na condenação histórica da fabricante de brinquedos Mattel, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em 2020, por realizar publicidade infantil velada por meio de youtubers mirins. Além do pagamento de dano moral coletivo, a empresa também ficou proibida de fazer ações comerciais por meio de influenciadores mirins.
Também contribui com a construção do artigo 14 da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que traz regras específicas para o tratamento de dados pessoais infantis, que só pode ocorrer visando seu melhor interesse.
Segundo Maria Mello, coordenadora do programa Criança e Consumo, 91% das crianças e adolescentes brasileiras entre 9 e 17 anos usam a internet diariamente. “Muitas empresas anunciantes sabem disso e se utilizam do ambiente on-line para falar com elas, principalmente nas redes sociais e o mundo digital é operado por um modelo de negócios chamado de economia de dados. Ou seja, as empresas de tecnologia coletam e tratam dados pessoais dos usuários para, entre outras finalidades, desenvolver uma série de práticas comerciais a partir do processamento dessas informações”, explica.
“Para se ter uma ideia, até completar 13 anos de idade, uma criança tem cerca de 72 milhões de pontos de dados coletados por empresas de tecnologia, o que inclui informações pessoais sobre o que essa criança gosta ou não, o que atrai sua atenção, os espaços que convivem, as pessoas de relacionamento e a lista continua”, alerta a especialista, que pede por mais atenção dos pais quanto à liberdade dos filhos em meios digitais.