Mesmo mantendo o ensino a distância (EaD) durante a pandemia, instituições particulares de ensino superior do Distrito Federal têm feito demissões em peso de professores. O Sindicato do Professores em Entidades de Ensino Particulares do Distrito Federal (Sinproep-DF) foi notificado após um grande número de desligamentos feitos no Centro Universitário UDF, Universidade Paulista (Unip) e do Centro Universitário Planalto do Distrito Federal (Uniplan).
Até o momento, a reclamação mais grave é a do Centro Universitário UDF. Segundo o Sinproep-DF, na última segunda-feira (29), a instituição demitiu mais de 50 professores, sendo 10 deles apenas do curso de psicologia. O sindicato levou a denúncia ao Ministério Público do Trabalho (MPT), solicitando mediação do órgão para diminuir o impacto que poderá ser causado aos trabalhadores. Segundo o sindicato, as demais instituições também serão denunciadas.
A Cruzeiro do Sul Educacional, gestora do UDF, afirmou que, durante a pandemia, tem “evitado tomar medidas mais drásticas, mesmo sofrendo com o aumento expressivo da inadimplência e da evasão”. Em seguida, justificou as demissões como “uma adaptação de custos, inclusive e inevitavelmente de pessoal”.
A Cruzeiro do Sul alegou ainda que a decisão foi tomada para manter e preservar a saúde financeira, a qualidade de operação e a pontualidade dos compromissos da instituição.
Centralização e robotização das aulas
Segundo o Sinproep-DF, as instituições particulares de ensino superior registraram mais 400 demissões de professores, desde o início das medidas de isolamento social. Para Rodrigo Pereira, diretor jurídico do sindicato, a tendência é que isso aumente. “Este mês, teremos um grande número de demissões”, afirma.
Ele explica que as demissões ocorrem porque, a fim de economizar gastos, as instituições particulares têm centralizando as aulas EaD. Com as aulas ocorrendo virtualmente, as faculdades dispensam professores locais e centralizam as transmissões em um único estado, sobrecarregando um grande número de alunos em um só professor.
“Isso é um absurdo. Cai a qualidade da educação, o que não se justifica, uma vez em que os alunos não tiveram a diminuição da mensalidade”, expõe Rodrigo Pereira.
O diretor jurídico revela ainda que, há denúncias em outros estados de que faculdades particulares estariam usando robôs para dar aulas virtuais. Isso, claro, sem o conhecimento dos estudantes. “São aulas programadas, já com perguntas e respostas. Há um sistema desenvolvido para isso”, afirma Rodrigo.
Sem emprego
Um professor da Universidade Paulista (Unip), que preferiu não se identificar, recebeu a notificação de que seria desligado na semana passada. A oficialização da demissão será feita na quarta-feira (1º).
O sentimento é de tristeza. “No meio dessa pandemia vou ficar sem salário. Isso é muito ruim”, diz.
O ex-docente não sabe dizer quantos professores já foram notificados, mas garante que ele não foi o único. “Estão aproveitando dessa pandemia para fazer isso. É uma injustiça muito grande porque o lucro que essas faculdades têm é alto.
Sem emprego, o ex-funcionário ainda não sabe o que fazer. O único pedido é que os colegas de trabalho que estão passando pela mesma situação denunciem ao sindicato.
Aumento nas mensalidades do UDF
Além da demissão de professores, estudantes afirmam que, no próximo semestre, as mensalidades do UDF terão aumento. Na “Área do Aluno” de alguns estudantes, o valor da primeira parcela do próximo período já é maior.
“Eles não nos deram nenhuma justificativa. Nós tentamos ligar, entramos em contato pelos canais de atendimento e o que recebemos é o silêncio da instituição”, diz Evelyn Mesquita, 30 anos, estudante do terceiro semestre de psicologia, a área com mais demissões.
A grade horária proposta para o segundo semestre de 2020 também não agradou aos alunos. Sem consultar os discentes, a instituição diminuiu a carga horária de alguns cursos e aumentou a oferta de disciplinas on-line.
Evelyn Mesquita pensou em trancar o curso. No entanto, ao fazer o trancamento, ela perderia o desconto que tem para estudar na instituição. “Eles não nos dão muita opção. Então, a gente fica de mãos atadas”, relata.
A estudante não se conforma com a demissão em massa dos professores. “Foram nossos melhores professores. Eram aqueles que tínhamos apenas elogios para dar, que se se esforçaram muito durante a pandemia”, conta. Segundo ela, profissionais que orientavam trabalhos de conclusão de curso (TCC) também foram dispensados.
Aluna também do curso de psicologia Regiane Rocha, 39, critica a forma com que o UDF tomou a decisão. “Há instituições que promovem enquetes virtuais, debates sobre temas que envolvem a comunidade acadêmica. Não fomos consultados sobre nada. Ainda aumentaram as mensalidades, mesmo em meio à pandemia, quando muitos tiveram dificuldades econômicas”, comenta.
Maria Mariana, 19, do terceiro semestre de direito conta que, no início da pandemia, o UDF justificou que não ofertaria descontos nas mensalidades para não precisar cortar gastos, ou seja, demitir funcionários. O “acordo” não foi cumprido. “É uma falta de respeito e consideração. Não somente com nós, alunos, mas também com os professores”, indigna-se Maria.
Para a estudante de direito, a desculpa de que a instituição teria feito as demissões e aumentado mensalidade por “adaptação de custos” não faze sentido. “Estão construindo um prédio todo novo. É a maior controvérsia”, afirma.
Manifestação marcada
Um grupo de estudantes do Centro Universitário UDF tem se organizada para manifestar em frente à instituição contra a demissão em massa dos professores, a nova grade horária proposta e o aumento das mensalidades. O protesto está marcado para a próxima segunda-feira (6).
Em um aplicativo de conversas com cerca de 500 pessoas, os estudantes têm se organizado para a manifestação. “A revolta vem de todos os alunos da faculdade. Estamos unindo grupos e já temos uma boa concentração de pessoas”, diz Evelyn Mesquita, que participará do ato.
Regiane Rocha conta que soube das demissões por publicações de professores pelas redes sociais. “É triste ver que perdemos grandes e experientes professores, mestres e doutores em psicologia, pela forma fria e impessoal com que foram afastados do cargo”, diz.
“Na teoria aprendemos sobre empatia, sobre diálogo e vínculo. Na prática, ficamos sujeitos a decisões tomadas de forma totalitária, sem diálogo com os estudantes” completa Regiane.
Para Maria Mariana, o protesto é o momento de os estudantes mostrarem a própria voz. “Não adianta nos calarmos em nossas casas e aceitar o que foi imposto”. A aluna diz que tem conversado com os colegas para organizar o uso de máscara, álcool em gel e distância entre os manifestantes. “O vírus ainda está presente, então temos que quer todos os cuidados possíveis”, relata.
“Estamos lutando não só pela mensalidade, mas também pelo direito dos funcionários”, diz Maria Mariana.
Nota da Cruzeiro do Sul Educacional na íntegra
“A Cruzeiro do Sul Educacional, uma das maiores organizações educacionais do Brasil, reconhecida por seus indicadores de qualidade no ensino e na pesquisa, atua desde 1965 no desenvolvimento e na formação de profissionais e cidadãos.
Durante os 55 anos de desenvolvimento desse projeto e da construção da organização, sempre foi absoluta e intransigentemente fiel aos seus compromissos com a educação e seus alunos, parceiros, fornecedores, colaboradores e o poder público. Em todas essas décadas, nunca deixou de observar a pontualidade quanto aos seus compromissos e nem colocou de lado sua responsabilidade por cada colaborador.
Neste momento triste e sem paralelos de crise mundial que se abateu sobre o Brasil desde meados de março e atinge a praticamente todos os setores da economia, a Cruzeiro do Sul Educacional tem evitado tomar medidas mais drásticas, mesmo sofrendo com o aumento expressivo da inadimplência e da evasão, resultados do impacto da pandemia no emprego e na renda de seus alunos e famílias.
Mas o agravamento e prolongamento da crise econômica, somados às incertezas quanto ao próximo semestre, levaram o grupo a adotar uma adaptação de custos, inclusive e inevitavelmente de pessoal, de modo a manter e preservar minimamente a saúde financeira, a qualidade de sua operação e a pontualidade dos seus compromissos, assim como – e principalmente – os milhares de empregos que continuarão a ser gerados em um futuro que se espera próximo e melhor.
A Cruzeiro do Sul Educacional reconhece e agradece a valiosa contribuição dos colaboradores que estão, nesse momento difícil para todos, sendo desligados. Ao mesmo tempo, tem a certeza de que continuará a desenvolver o projeto com ainda mais afinco, assim como tem realizado ao longo dos últimos 55 anos, para que este momento excepcional seja breve e que a retomada seja vigorosa, bem como demande um número muito maior de contratações.” Fonte: Eu, Estudante (Correio Braziliense).