Depreciação aos usos não convencionais de um mesmo idioma
O preconceito linguístico é o juízo de valor negativo para a forma de falar das pessoas que dominam o mesmo idioma.
O Brasil apresenta uma grande extensão territorial ocupada por povos de várias culturas, como os índios brasileiros, imigrantes vindos de vários países europeus, a exemplo da França, e afrodescendentes. Há também a grande diversidade social, cultural e regional que favorecem para as muitas variações linguísticas existentes no país.
Em razão disso, fala-se no território brasileiro dezenas de línguas indígenas, as línguas nacionais dos imigrantes, uso de gíria por determinado grupo social, falas características dos regionalismos, os socioletos, ou seja, linguagem técnica utilizada por profissionais de determinada área, etc. Por isso que o português não é uma língua única, ou melhor, não há uma unidade linguística brasileira.
A imposição de um único ideal linguístico em detrimento dos demais esbarra-se no preconceito linguístico. É importante destacar ainda que existe na língua portuguesa uma grande diferença entre Português padrão (PP) e o Português não-padrão (PNP).
O Português padrão (PP) é essencialmente voltado para a normatividade da língua escrita. Conforme a história da escrita, houve um divisor de águas nas sociedades modernas pelo qual o homem pôde perpetuar e multiplicar o conhecimento.
Os profissionais ligados à área de Letras, como os gramáticos tradicionalistas, dicionaristas, acadêmicos de Letras, escritores de livros, etc., investiram maciçamente na prescrição de regras gramaticais, elaboração de construções sintáticas sofisticadas e palavras eruditas a fim de enriquecer suas práticas linguísticas.
E é justamente com base nesse “estilo” padrão linguístico que as escolas brasileiras oferecem as aulas de português. Dessa forma, considera-se como “errado” o conjunto das demais variantes da língua instauradas, sobretudo na oralidade, e inseridas no Português não-padrão (PNP).
Essas variantes do Português não-padrão (PNP) são faladas pelas pessoas das classes sociais mais empobrecidas da sociedade que, normalmente, não completaram os anos da Educação Básica ou tiveram acesso a uma precária educação formal.
Por isso, o preconceito linguístico ainda está relacionado a outros tipos de preconceitos existentes na sociedade. A respeito disso, o professor, doutor em Filologia e linguista Marcos Bagno afirma que:
O preconceito linguístico deriva da construção de um padrão imposto por uma elite econômica e intelectual que considera como “erro” e, consequentemente, reprovável tudo que se diferencie desse modelo. Além disso, está intimamente ligado a outros preconceitos também muito presentes na sociedade, como preconceito socioeconômico, preconceito regional, preconceito cultural, preconceito racial e a homofobia.
Ainda segundo Marcos Bagno, o preconceito linguístico é reforçado por ideologias construídas socialmente.
A primeira ideologia é no âmbito pedagógico, focar o ensino linguístico exclusivamente na gramática normativa sem a reflexão ou o conhecimento das demais variedades linguísticas brasileiras.
E a segunda refere-se a massificação dos meios de comunicação que marginalizam os falantes do Português não-padrão (PNP) e os tacham como pessoas que não sabem falar português direto.
A Sociolinguística tem sido a principal base de apoio dos estudos militantes no combate ao preconceito linguístico. E com base nas pesquisas sociolinguísticas, Marcos Bagno escreveu a obra “Preconceito Linguístico: o que é, como se faz” em 1999 e examina os principais mitos dos quais o preconceito linguístico está fundamentado.
Mitologia do preconceito linguístico
Em 2015, as pesquisas realizadas pelas Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) diagnosticaram que a língua portuguesa do Brasil era falada por 200 milhões de brasileiros.
Considerando que toda língua tem seu curso natural de “evolução”, o português herdado do contato linguístico com os colonizadores portugueses no período do Descobrimento do Brasil sofreu inúmeras mudanças, como o desuso de muitos vocábulos.
Deixar de lado esses aspectos para impor um único padrão linguístico é usar da ignorância, da intolerância e da manipulação ideológica. Então, para elucidar essas questões o linguista Marcos Bagno mostra os principais mitos linguísticos. E são eles:
Mito 1: a regularidade do uso do pronome “tu” seguido da conjugação verbal conforme a gramática normativa, como tu queres ou tu vais, atribuiu ao estado do Maranhão o local onde se melhor fala português.
E na realidade esse entendimento está pairado na inferioridade do português do Brasil em relação ao português de Portugal. Então, esse mito se sustenta pela relação da semelhança com a língua falada em Portugal, com um traço de arcadismo na língua falada de determinados maranhenses.
Mito 2: A reprovação das pronúncias categorizadas como “erradas” e o ensino de uma fala artificial, ou melhor, semelhante ao modus operandi da escrita estabelece um único jeito de falar. E assim maximiza ainda mais o preconceito linguístico.
Destaca-se que o ensino das regras gramaticais são fundamentais para a língua escrita. Uma vez que é preciso que todos leiam e compreendam corretamente. Entretanto, a escrita é uma representação gráfica da fala. E esta opera-se de forma mais livre.
Mito 3: o mito do domínio padrão da língua portuguesa tem levado muitos a acreditar que isso é a única forma para falar e escrever bem.
Marcos Bagno exemplifica excelentes escritores da Literatura Brasileira, como Carlos Drummond de Andrade, que escreviam maravilhosamente bem e não tinham tantos conhecimentos gramaticais.
O linguista ainda lembra que as gramáticas são constituídas de “regras” e “padrões” de escritos considerados como referenciais linguísticos a ser imitado. Por isso, as teorias gramaticais passaram a ser mecanismos de poder e controle.
Mito 4: acreditar que o domínio da norma culta é garantia para alcançar melhor posição social é um mito.
A sociedade brasileira sofre com diversas mazelas sociais e somente o conhecimento das regras gramaticais não muda em nada a realidade social da pessoas.
É importante entender que existe um conjunto de aspectos sociais para valorizar a pessoa humana em sociedade, como o acesso à saúde, à habitação, ao transporte público de boa qualidade.
Preconceito linguístico no Brasil
O preconceito linguístico no Brasil se sustenta por dois fatores. O primeiro de caráter regional e o segundo de caráter socioeconômico.
A diversidade regional ao longo da História do Brasil ocasionou áreas mais ricas e industrializadas, e outras em retrocesso econômico. Em razão disso, existe a estigmatização das variantes faladas pelas pessoas das regiões mais empobrecidas, como a região Nordeste e a região Norte.
As pessoas pertencentes a elite econômica desprezam e marginalizam o comportamento linguístico daquelas destituídas dos bens materiais, reforçando assim as ideologias negativas. Assim sendo, a educação democrática é a “arma” preciosa para combater o preconceito linguístico.
Para os pesquisadores Jessé Ovídio de Santana e Maria do Bom Parto Ferreira das Neves é importante que os docentes considerem as variações linguísticas como aspecto enriquecedores da pluralidade cultural do Brasil. Além disso, conscientizem os estudantes sobre a adequação linguística, ou seja, os usos da língua conforme as exigências do contexto.