Menos da metade dos alunos frequentam aulas virtuais em SP

Algumas salas de aula virtuais ficam completamente vazias enquanto o educador aguarda a presença dos alunos

Dois meses após a suspensão do ensino presencial em São Paulo devido à pandemia de Covid-19, alunos, professores e pais relatam que ainda enfrentam dificuldades para se adaptar ao modelo de ensino a distância. Com as escolas fechadas, a conexão por meios de aparelhos eletrônicos se tornou essencial e o abismo tecnológico se tornou mais evidente.

No estado, os estudantes podem ter acesso ao conteúdo por meio dos aplicativos Centro de Mídias SP (CMSP) e dos canais digitais 2.2 – TV Univesp e 2.3 – TV Educação. Os apps estão disponíveis para os sistemas Android e IOS.

Além disso, professores também podem oferecer aulas e propor atividades extras por meio da plataforma Google Classroom e Microsoft Teams. No entanto, os educadores têm notado que a participação dos alunos tem diminuído com o passar do tempo.

Em média, turmas presenciais do Ensino Fundamental têm cerca de 40 alunos e no Ensino Médio aproximadamente 45 estudantes. Entretanto, menos da metade desse número de alunos estão frequentando as aulas virtuais, de acordo com professores. Algumas salas de aula virtuais ficam completamente vazias enquanto o educador aguarda a presença dos alunos.

De acordo com o subsecretário de articulação Henrique Pimentel, da Secretaria Estadual de Educação, as aulas no Google Classroom e Microsoft Teams são opcionais e, por isso, para que os alunos frequentem é necessária uma divulgação intensa da escola.

“Esse é um ponto importante, tem que avisar os alunos desses horários, tem que avisar as famílias, e, obviamente, a comunicação é um desafio nesse período. O acesso às famílias também é um desafio, muitas vezes as famílias estão trabalhando e o filho só fica online aquele horário e é difícil se comunicar, mas chegar nelas assim é muito importante”, afirma Pimentel.

A rede estadual possui 3,5 milhões de alunos matriculados, de acordo com o censo escolar. No entanto, segundo a pasta, até o dia 24 de junho o aplicativo do Centro de Mídias SP tinha tido 2,8 milhões de downloads, e obtido cerca de 1,6 milhão de acessos de alunos.

Esses números correspondem aos estudantes que fizeram download no aplicativo e se logaram pelo menos uma vez, o que não significa que os estudantes estejam efetivamente assistindo às aulas.

 

Organização de turnos

Foi necessário organizar turnos de estudo para que os filhos da cozinheira Raquel Chaves, de 48 anos, conseguissem acompanhar as aulas on-line disponibilizadas pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. Desde a suspensão das aulas presenciaisem março de2020, a filha mais velha de Raquel, de 17 anos, aluna do último ano do Ensino Médio, passou a assistir às aulas durante a madrugada para que os irmãos menores pudessem dividir o dois celulares e o computador da família durante o dia.

“Essa semana eu pensei duas vezes ‘vou na loja e vou comprar um computador’, mas eu vou me endividar, não posso fazer dívida agora com essa situação que a gente está vivendo. A gente não tem certeza de nada”, desabafa Raquel, que passou a receber 70% do salário que ganhava antes do início da pandemia no restaurante em que trabalhava.

 Raquel afirma que, apesar de ter conseguido baixar o aplicativo, tem tido dificuldades para conseguir acessar as aulas. Ela conta que aumentou a conta de internet para que os filhos tivessem acesso ao conteúdo, mas que mesmo assim encontra dificuldades.

“Às vezes eu fico estressada, às vezes eu penso o que é que eu vou fazer, exigir o quê? ‘Ah, mãe mas as aulas só vão voltar em setembro’, eles falam, e eu digo ‘mas você tem que estudar todos os dias como se fosse presencial’. Aí vai nos aplicativos, não funciona, trava o sistema, aí fica essa bagunça que está. A gente não sabe qual rumo que a gente vai tomar. O que vai ser”, desabafa Raquel.

Segundo o subsecretário de articulação Henrique Pimentel, a Secretaria Estadual de Educação patrocina o pacote de dados para todos os estudantes e professores. A tecnologia se chama tarifação reversa e para ter acesso ao benefício basta aceitar o chamado ‘VPN’.

“É como existisse um banco de dados gigante aqui de posse do estado, e quando o estudante está usando os aplicativos, a operadora dele desconta do meu banco de dados e não do banco de dados do estudante”, afirma.

Para o professor de educação física Everaldo Andrade, da Escola Estadual Prof. Camillo Faustino de Mello, em Mogi das Cruzes, o segundo bimestre que está terminando terá mais alunos com notas em branco por não estarem frequentando as aulas nem entregando as atividades propostas.

“Eu me sinto um inútil porque não consigo avançar. Os alunos se logam tarde da noite e querem tirar dúvida, mas o horário das minhas aulas é das 7h às 12h35, quando muitas vezes não tem ninguém online. Está todo mundo confuso. A gente esperava dificuldade com equipamentos e tecnologia de pelo menos metade dos alunos, mas a outra metade tampouco está frequentando. E da metade que se logou, 80% não entrega as atividades propostas”, afirma.

 Everaldo adotou a plataformaa Microsoft Teams para algumas de suas aulas, mas frequentemente nenhum aluno comparece no horário à aula marcada.

 

Aulas e avaliações

Para o professor de história e filosofia Álvaro Dias, à medida que o número de alunos que assistem às aulas cai, a escola deixa cada vez mais de cumprir seu papel e o ensino à distância se mostra cada vez menos inclusivo.

“Desde o começo do isolamento social e com o ensino remoto, a experiência do ensino à distância não conseguiu alcançar os resultados esperados e percebe-se um esvaziamento no processo seja pela falta de estrutura, ou pela falta de planejamento e de investimentos adequados em inovação tecnológica ou pelo excesso de atividades e conteúdos propostos. Os alunos têm demonstrando há um bom tempo desânimo, desinteresse, reduzindo drasticamente a participação nas plataformas do ensino remoto”, afirma.

Álvaro é um dos professores que defende o adiamento do ano letivo, pois acredita ser injusto avaliar os alunos nesse contexto. Ele cita como exemplo o adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, pelo Ministério da Educação. A decisão só foi tomada depois de muitas críticas e do Senado ter aprovado a suspensão das provas até o fim da pandemia.

Para o professor, a prioridade de muitos alunos e professores tem sido sobreviver no meio da pandemia de coronavírus. “Eu mesmo aqui não tenho computador e uso um celular de 32 GB defasado e estou sem dinheiro para consertar o meu notebook. Tenho de escolher entre pagar aluguel, luz, água e comida e arrumar meu notebook. Muitos alunos também não têm acesso à internet e aparelhos tecnológicos sofisticados. Semana passada demos uma cesta básica para um aluno que está passando necessidade. Os professores ajudaram e compraram os itens”, relata.

O professor Álvaro defende também que além da dificuldade de transmitir o conteúdo a avaliação das crianças também fica prejudicada no ensino a distância. “O ideal é adiar o ano letivo. Dentro desse horizonte não há possibilidade alguma de avaliação e nem de mensurar notas, como se fosse um processo classificatório”, observa.

Segundo o subsecretário de articulação Henrique Pimentel, as atividades se tornaram uma forma de avaliação e ajudam a identificar se os alunos estão, ou não, acompanhando. No entanto, aqueles que não entregarem poderão recuperar as notas no retorno às aulas presenciais.

“A atividade se tornou uma avaliação no sentido de que ela vai contar pra gente saber se o aluno está, ou não, acompanhando as atividades do Centro de Mídia. E aí na hora que o professor recebe essa atividade, ele faz esse registro no diário de classe, e aí depois ele coloca ou não uma nota no sistema do aluno. O que que isso quer dizer? O aluno pode estar hoje numa situação com ou sem nota. Com nota, significa que ele está acompanhando as atividades, independente da nota que está lá, significa que alguma coisa ali ele entregou, que foi possível avaliar etc. Se o aluno está sem nota, significa que ele não está conseguindo acompanhar as atividades. E aí essa nota vai ficar lá um tracinho, digamos assim, não significa que ele reprovou necessariamente esse bimestre. Ele fica sem nota e essa nota será redefinida no retorno do presencial”, afirmou Pimentel.

 

Reforço

 Ainda de acordo com o subsecretário de articulação Henrique Pimentel, a Secretaria Estadual de Educação tem um programa de reforço e recuperação que será um dos pilares na volta às aulas. O objetivo é garantir que os todos dominem o conteúdo, tanto os estudantes que de alguma forma não conseguiram acompanhar a totalidade dos conteúdos por falta de equipamentos ou aqueles que se logaram e tiveram alguma dificuldade do acompanhamento das aulas on-line.

“Dificuldade que eu falo tanto cognitiva, quanto também dificuldade de acesso em alguns casos. O reforço e recuperação é principalmente para esses estudantes, mas não só para eles, a gente está falando aqui de um programa que vai ser importante para a totalidade dos alunos da rede estadual”, afirma Pimentel.

De acordo com o subsecretário, também está sendo desenhado o projeto de um quarto ano do Ensino Médio opcional, uma demanda dos próprios alunos.

“O estudante que está conseguindo acompanhar as atividades, se ele performar bem, se ele conseguir realmente ingressar no ensino superior, ele deve sim ser aprovado e continuar a sua trajetória. Para aqueles que se sentirem prejudicados e não quiserem, não conseguirem atingir seus objetivos ao final do ano, para eles a gente está chegando nessa solução que é o quarto ano do Ensino Médio”, afirma. *Informações do G1 São Paulo.

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