Na última segunda-feira (1º/11) o Diário Oficial da União (DOU), publicou uma portaria do Ministério do Trabalho e Previdência proibindo empregadores de demitir funcionários que não estão vacinados contra a Covid-19.
Em nota, o Governo considerou “discriminatória” a exigência da comprovação de imunização, chamado popularmente de passaporte da vacina, em processos seletivos e contratações. Além disso, o empregador fica impedido de demitir por justa causa funcionário que não estão imunizados contra a Covid-19.
“Considera-se prática discriminatória a obrigatoriedade de certificado de vacinação em processos seletivos de admissão de trabalhadores, assim como a demissão por justa causa de empregado em razão da não apresentação de certificado de vacinação”, diz trecho do documento.
Vacinação de trabalhadores – a questão continua
Muitos concordam que a vacinação em massa é o meio mais rápido para a retomada da economia. Para Thamires Pandolfi Capello, Fundadora do Health Talks BR e Coordenadora e professora em Direito Médico na FASIG, “a corrida vacinal alcançou resultados rápidos e eficazes em um curto espaço de tempo e as vacinas desenvolvidas foram tidas como esperança para a retomada – aos poucos – da vida ‘normal’. As campanhas de vacinação avançam ao redor do mundo e com esse avanço o número de casos graves e mortes estão apresentando a tão esperada queda”.
Ela afirma ainda que existe respaldo técnico e jurídico na aplicação da demissão por justa causa de colaboradores que se recusam a se vacinarem. Contudo, tal medida só poderá ocorrer após um programa de conscientização coletivo, seguindo o guia técnico emitido pelo Ministério Público do Trabalho. O guia orienta que o esforço principal da parte das empresas deve ser na informação e conscientização. Além disso, as demissões devem acontecer após advertência prévia com orientação individual.
O polêmico passaporte sanitário
Oficialmente, ainda não existem restrições sanitárias por parte das empresas para contratação ou trabalho presencial. Alguns estados, como São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, criaram um passaporte de vacinação voltado para determinadas atividades, como festas, eventos esportivos, shows e congressos.
Na Itália, desde o dia 15 de Outubro, passou a vigorar o passaporte da vacina da Covid-19. A medida gerou manifestações e ameaças de greve no país. De acordo com o governo italiano, o objetivo da medida é estimular a campanha de vacinação.
Outros países também colocaram suas restrições. Na França, por exemplo, pessoas que não comprovarem que estão vacinadas ou recém curadas da Covid-19 não podem frequentar cinemas. Em algumas cidades dos Estados Unidos, a mesma regra é válida para restaurantes, enquanto na Áustria há rigidez no controle de quem pode frequentar os museus locais.
Mas o passaporte vacinal não tende a ganhar força no Brasil. Apesar de elogiar os passaportes da vacinação impostos em algumas cidades, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, declarou não ver razoabilidade no passaporte da vacina, por acreditar que se trata de uma medida que “cerceia a liberdade das pessoas”.
Bem estar coletivo X individual
Desde o início da vacinação contra a Covid-19 no Brasil, seguiu-se o debate sobre sua obrigatoriedade. Na esfera trabalhista, a questão maior é se o empregador pode exigir a vacinação do trabalhador, e quais as consequências, caso ele recuse.
Na área do Direito, muitos entendem que, pela gravidade da situação, e por se tratar de caso de saúde coletiva, o direito individual seria afastado, dando preferência ao direito coletivo.
Para compreender essa questão, é preciso relembrar aspectos importantes que envolvem a saúde pública. Cuidados para evitar doenças envolvem ações individuais (como lavar as mãos, escovar os dentes) e ações coletivas (como políticas públicas para evitar a contaminação da água).
Podemos citar como exemplo o tabagismo, que produz danos individuais, para a pessoa que fuma, e danos coletivos, como a poluição atmosférica, que leva outras pessoas a também terem problemas respiratórios.
Vacinação: o que diz a lei?
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determina que cabe às empresas cumprir e estabelecer normas de segurança e medicina do trabalho para evitar doenças ocupacionais.
A nossa Constituição da República de 1988 também assegura o direito do trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, conforme preveem os artigos 6º e 196:
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Lei de enfrentamento à pandemia
A lei 13.979/20 dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da Covid-19, responsável pelo surto de 2019, em seu artigo 3º, inciso III, prevê:
“Art. 3º. Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas:
III – determinação de realização compulsória de:
- a) exames médicos;
- b) testes laboratoriais;
- c) coleta de amostras clínicas;
- d) vacinação e outras medidas profiláticas.
Baseado nisso, muitos advogados trabalhistas entendem que a vacinação de empregados deve ser obrigatória, uma vez que essa medida coletiva é necessária para a preservação da vida e da economia em sociedade.
Da mesma maneira, o distanciamento social, associado ao uso obrigatório de máscaras e às campanhas de higiene, devem continuar sendo priorizado nos ambientes de trabalho presenciais.
E quando é o empregador que não cumpre as normas?
Muitos entendem que aqui cabe a “justa causa patronal”. Da mesma forma que é dever do empregado acatar as orientações de saúde e segurança, cabe também ao empregador zelar pela integridade física do seu funcionário.
Assim, quando o empregador deixar de implementar medidas de combate a Covid-19, criar impedimentos à vacinação do trabalhador ou descumprir com as normas de segurança existentes, a rescisão indireta poderá ser pleiteada pelo empregado.
Este respaldo existe no artigo 483 da CLT. Ali estabelece que poderá ocorrer a rescisão indireta “quando o empregado correr perigo manifesto de mal considerável”.