O número de brasileiros endividados chegou a um novo recorde em abril de 2022: segundo a Peic (Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor), 77,7% fecharam o mês com alguma dívida.
Você faz parte desta estatística? Se faz, vale a pena conhecer a Lei do Superendividamento, que acrescentou novas regras ao Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Essa Lei foi criada com o objetivo de dar condições mais justas de negociação para os endividados, proporcionando a eles mais condições de recuperação.
A Lei também tem a finalidade de coibir os acordos abusivos feitos pelas instituições financeiras, que só pioram a situação dos consumidores.
Quem é considerado “superendividado” pela Lei do Superendividamento?
A modificação no CDC conceitua novamente o superendividamento, como sendo “a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação”.
Esta definição traz muitos pontos importantes, que vamos analisar individualmente.
A princípio, a Lei determina que o superendividamento somente pode acontecer com pessoas físicas ou naturais, e não com pessoas jurídicas.
Entendemos também que o superendividado é aquele que está impossibilitado de quitar suas dívidas de consumo, para satisfazer suas necessidades ou desejos pessoais.
Além disso, podemos notar que somente serão protegidas pelas novas normas aquelas pessoas que tiverem contraído suas dívidas sem ser de má-fé. Dessa forma, se alguém contraiu as dívidas já com a intenção de não pagá-las, o devedor não será considerado superendividado.
É importante mencionar que a Lei não se aplica às dívidas decorrentes da compra ou contratação de produtos ou serviços de luxo, que tenham alto valor agregado.
Nesta Lei, podem ser consideradas as prestações que sejam exigíveis pelo fornecedor e que sejam vincendas, ou seja, que ainda estejam a vencer. E somente será considerada a capacidade de pagamento do consumidor que não comprometer o seu mínimo existencial.
O que é mínimo existencial?
Este é outro ponto importante na lei do Superendividamento.
Segundo a Enciclopédia Jurídica da PUCSP, o mínimo existencial “trata-se da tentativa de garantir ao ser humano um mínimo vital de qualidade de vida, o qual lhe permita viver com dignidade, tendo a oportunidade de exercer a sua liberdade no meio social em que vive.”
Em outras palavras, é o direito que garante à pessoa uma vida digna, como o acesso a alimentação, vestuário, saúde e moradia. Por isso, deve ser analisado se o pagamento das dívidas tornaria impossível o seu sustento e de sua família, no que se refere ao mínimo existencial.
Neste contexto, o devedor até pode ter patrimônio para pagar a dívida, mas este pagamento não pode sacrificar a própria dignidade do devedor.
O que muda com a Lei do Superendividamento?
Entendemos quem pode ser considerado superendividado. Agora, vejamos quais foram as principais mudanças que a nova Lei colocou no CDC.
O que cabe ao Poder Público
A Lei do Superendividamento determina que o Poder Público tenha o dever de prevenir e tratar o superendividamento, bem como promover a conciliação e mediação de conflitos entre credor e devedor.
Os direitos básicos trazidos pela Lei do Superendividamento ao consumidor envolvem, também, o direito à educação financeira, estimulando o consumo consciente.
O Poder Público deverá fiscalizar e proibir a publicidade abusiva, como propagandas de empréstimos “sem consulta ao SPC”.
O papel dos bancos e financeiras
Fica estabelecido que é obrigação dos bancos e instituições financeiras informar os riscos da contratação dos empréstimos, incluindo os juros, tarifas, taxas e encargos sobre atraso.
Também, cabe às empresas que concedem crédito fazer a avaliação da situação financeira do consumidor, antes de conceder algum empréstimo.
Assim, passa a ser proibido assediar ou pressionar os clientes para contratar empréstimos. Essa abordagem agressiva é feita quando se veiculam propagandas abusivas com estratégias de sedução aos consumidores. A proibição visa proteger especialmente as pessoas idosas, analfabetas ou vulneráveis.
Outra proibição colocada pela Lei é a da prática de conceder crédito mediante a desistência do consumidor de demandas judiciais, ao pagamento de honorários advocatícios ou a depósitos judiciais. O consumidor não poderá ser pressionado a desistir destes direitos para poder obter o crédito.
A renovação do acordo de dívidas deverá acontecer de forma justa e equilibrada, evitando que o consumidor contraia outra dívida impossível de pagar, causando um efeito bola de neve.
Lei do Superendividamento e a negociação com os credores
Esta talvez seja a parte mais importante da Lei: a negociação, ou repactuação das dívidas. O próprio superendividado poderá solicitar a instauração deste processo.
Antes dessa lei, para que o consumidor pudesse renegociar, ele teria que procurar os credores separadamente e negociar com cada um.
Agora, o superendividado pode reunir todos os credores e propor um plano único de pagamento. Assim, haverá uma audiência conciliatória, com a presença de todos os credores de dívidas de consumo.
Segundo o site Migalhas, as negociações podem se dar no PROCON, Ministério Público e na Defensoria Pública, todos órgãos que compõem o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Porém, os órgãos precisarão ter convênios e receber treinamento dos Tribunais de Justiça estaduais.
Nesta audiência, o consumidor apresentará como pretende pagar as dívidas, dentro do prazo máximo de cinco anos. Será informado a ele quando seu nome será retirado dos registros de proteção ao crédito e de banco de inadimplentes.
A primeira parcela deverá ser paga, no máximo, dentro de 180 dias, a partir da homologação do acordo.
O consumidor será esclarecido de como acontecerá o abate de juros no montante da dívida. Por sua vez, enquanto estiver pagando suas dívidas, o consumidor deverá se evitar adquirir novas dívidas, e piorar seu estado de superendividado.
E se o processo de conciliação não tiver sucesso?
Isso pode acontecer quando os credores não concordam com as condições de pagamento colocadas pelo consumidor inadimplente.
Caso não haja sucesso na conciliação com todos os credores, o consumidor pode solicitar ao juiz que instaure o processo para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes.
Neste processo, o juiz irá citar os credores, que não concordaram com o plano de pagamentos proposto pelo devedor. Também irá nomear, em juízo, um administrador para propor a forma de pagamento, que deverá garantir aos credores, no mínimo, o valor principal devido, corrigido monetariamente.