ENEM 2020: “Ter ou não ter, eis a questão”

Os desafios de professores e estudantes durante a Pandemia

Um dos assuntos mais debatidos nas últimas semanas, entre os profissionais da educação, estudantes e pais de alunos, é justamente a realização do ENEM em 2020. Muitos professores principalmente os de escola pública, tem se posicionado de forma contrária a realização da prova, segundo alguns professores ouvidos pelo Brasil123, a desigualdade no acesso a computador e internet no país é o principal motivo para a não realização do da prova esse ano. Os professores acreditam que os estudantes de escola pública sairão muito prejudicados.

Tentando entender os principais desafios da educação nesse período de isolamento social, o Brasil123, entrevistou alguns professores e estudantes, para saber a opinião deles quanto à realização do ENEM em 2020. Confira, a seguir, as questões levantadas na pesquisa e a síntese das respostas do público pesquisado.

1 – Qual a principal dificuldade do trabalho docente nesse período de Pandemia?

A realização de atividades na modalidade EAD, e a desigualdade no acesso a internet por parte dos alunos foram os argumentos mais citados. No entanto, também foi levantada a questão da realidade distinta, vivida por professores da rede pública e professores da rede particular. Os professores do setor privado estão enfrentando uma dificuldade maior, no que diz respeito ao salário, a maioria também está trabalhando numa carga horária reduzida, mas com número de horas aumentadas para aprendizagem das ferramentas virtuais, e ganhando menos, porque não há receita nas escolas.

As escolas particulares estão enfrentando uma situação muito difícil, a inadimplência aumentou bastante, pois muitos pais tiveram sua renda reduzida, e mesmo reconhecendo a necessidade de manter a mensalidade em dia, uma boa parte tem apresentado dificuldade em arcar com esse compromisso. A situação se torna ainda mais grave quando se trata das pequenas escolas, localizadas em bairros ou pequenas cidades, geralmente essas escolas cobram uma mensalidade menor e quase sempre com um número pequeno de alunos, essas características têm levado ao fechamento de muitos desses estabelecimentos e aumentado o desemprego no setor.

Os profissionais de escola pública também enfrentam inúmeros desafios, veja o que disse uma das entrevistadas que é professora do ensino médio:

“Ter a atenção do aluno no que se diz respeito a passar algum conteúdo ou atividade, visto que muitos são de famílias de renda baixa e estão nesse momento aflitos e mais preocupados em garantir a comida em casa e se proteger do vírus, do que em dedicar um tempo às atividades escolares. O colégio em que trabalho não está em atividade online, por ser colégio estadual. Embora estejamos enviando atividades para que os alunos façam, mas parte dos alunos não tem acesso a essas atividades, por também não ter acesso a internet.” (M, 28 anos, professora de química do ensino médio).

2 – Você concorda com a realização do ENEM em 2020?

A maior parte dos professores e estudantes ouvidos se colocou contrário a realização do ENEM em 2020, afirmando que seria uma forma de exclusão, já que muitas escolas particulares conseguiram organizar plataformas e aulas online para seus alunos, nas escolas públicas a realidade tem se apresentado de forma bem diferente. Entretanto, alguns professores ressaltaram que muitos estudantes estão se preparando e teriam condições de realizar a prova. Por outro lado, chamaram a atenção para a possibilidade de fraudes no ENEM virtual, já que têm sido frequente as tentativas de burlarem o sistema, ou seja, muitos questionam se o atual modelo de proteção do ENEM seria suficiente para garantir uma aplicação segura das provas.

3 – Qual seria o principal desafio para os estudantes nesse período de isolamento social?

Essa talvez seja uma das questões mais importantes a serem discutidas nesse período. É evidente que o trabalho do professor em sala de aula é indispensável, mas não podemos negar que as novas tecnologias trouxeram muitas facilidades, acompanhadas é claro de inúmeros desafios também. Como exigir então a concentração dos estudantes para o estudo EAD, tendo a facilidade de utilizar as redes sociais, aplicativos e toda uma série de itens proporcionada pela internet, no mesmo local em que está destinado o conteúdo das disciplinas?

Muitos profissionais acreditam que a presença dos pais e responsáveis tem que ser muito mais efetiva a partir de agora, o professor pode até transmitir o conteúdo e tirar dúvidas, mas a garantia do compromisso com a realização das atividades propostas não pode ser exclusiva dos estudantes. Não podemos descartar o fato de que o aluno pode e deve estudar sozinho, porém, a falta de estímulo e a situação de pânico apresentada pela pandemia, dificultam a concentração e até a busca de perspectivas futuras. Além disso, a tecnologia não acessível a todos é um fator lamentável.

Outro problema é que a interação não é a mesma, muitos estudantes evitam perguntar, ou tirar dúvidas e acabam não se desenvolvendo como seria na sala de aula. É muito difícil apontar um desafio principal, a verdade é que muitos estudantes estão enfrentando uma situação, que vai além do processo de ensino e aprendizagem. Dificuldade em manter o foco nos estudos, ambiente familiar muitas vezes desfavorável, violência, abusos, fome, falta de apoio emocional e uma série de outros fatores.

4 – Você acredita que a sociedade passou, ou passará a valorizar mais o papel do professor, tendo em vista a situação atípica que estamos enfrentando?

“Eu espero que sim, mas acho que ainda não podemos afirmar. Infelizmente, o que tenho observado é o contrário. Quando falam do trabalho que o professor faz, ou da falta que a escola está fazendo, comentam da indisciplina das crianças, da falta de tempo, etc. Professor não é cuidador, atrás de cada aula, de cada atividade, existe um planejamento, um objetivo. O trabalho docente é muito além do que as pessoas estão enxergando. Outro problema é achar que não há diferença entre uma vídeo aula, ensino a distância e o trabalho que o professor desenvolve diariamente com dezenas de alunos numa sala de aula. Minha preocupação é naturalizarem isso e achar que podem estudar em qualquer lugar, de qualquer forma e que qualquer um pode ser professor.”(B, 28 anos, professora da UEFS).

“Não creio. Quem valoriza continuará fazendo. Quem não valoriza também manterá sua postura. Ter os filhos estudando em casa agora, de fato evidencia essa importância do professor. Porém vivemos em uma sociedade na qual a maioria não tem empatia. Reconhecer a importância do outro vai além de enxergar apenas o próprio umbigo.”(C, 36 anos, professora de língua portuguesa do ensino fundamental).

Muitos professores não acreditam que essa situação irá contribuir para que a sociedade passe a valorizar mais o trabalho docente. Muito pelo contrário, alguns educadores temem que o ensino a distância passe a ser uma tendência para segmentos da educação básica e, dessa forma, o exercício da atividade docente fique ainda mais ameaçado no futuro. Uma parte dos educadores, no entanto, nutre a esperança de que o professor e sua prática sejam mais valorizados e os pais e alunos tenham um olhar diferente com relação aos colégios, ao estudo, e as relações vivenciadas no ambiente escolar.

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