A legalização do aborto é um tema polêmico que voltou ao debate público com o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Esse assunto desperta opiniões divergentes entre grupos conservadores, como os evangélicos, e movimentos progressistas.
A descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez está sendo discutida virtualmente no STF, e a presidente do tribunal, ministra Rosa Weber, já votou a favor de que a prática não seja considerada crime.
No entanto, o ministro Luís Roberto Barroso solicitou que o julgamento seja transferido para o plenário físico, e uma nova data ainda não foi marcada.
O Contexto Internacional e a América Latina
Nesta quinta-feira (28), é celebrado o Dia de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto na América Latina e Caribe. Diversos países da região já legalizaram o procedimento, como o Uruguai, que em 2012 se tornou o pioneiro ao permitir o aborto independentemente da situação da gestante e da concepção.
Argentina, México e Colômbia também se juntaram ao Uruguai nos últimos anos. Essa tendência de legalização é respaldada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que recomenda que o aborto seja um direito de todas, sem limite de idade gestacional, e que o método medicamentoso seja preferencialmente adotado.
O Debate no Brasil
No Brasil, o aborto é considerado legal em casos de gestação decorrente de estupro, risco de vida à gestante e anencefalia fetal. No entanto, a proposta de descriminalização até a 12ª semana de gravidez gera controvérsia. Especialistas argumentam que a postura conservadora de alguns profissionais de saúde em relação ao direito ao aborto em qualquer circunstância resulta em negligência nos hospitais e consultórios, prejudicando até mesmo as pacientes amparadas pela lei.
A médica ginecologista e obstetra Helena Paro, que trabalha há seis anos com aborto legal, ressalta a importância de garantir o acesso seguro e respeitoso às mulheres que optam por interromper a gravidez. Grupos contrários à descriminalização pressionam os defensores do aborto legal, apresentando questionamentos a órgãos públicos.
Essa pressão se manifesta mesmo em um Estado laico, onde a religião não deveria interferir nas decisões e na proposição de leis. Para Helena Paro, o aborto clandestino é o que coloca em risco a vida das mulheres. De acordo com a Pesquisa Nacional de Aborto de 2021, estima-se que 5 milhões de mulheres já tenham feito aborto no Brasil.
Essa proporção significa que uma em cada sete mulheres realizou o procedimento até os 40 anos de idade. O estudo revela que a maioria dessas mulheres tem religião, o que sugere que elas consideram a resolução da gravidez indesejada mais urgente, mesmo diante de suas crenças.
Os Perigos do Aborto Clandestino
Os movimentos feministas e mulheristas destacam que o aborto clandestino coloca as mulheres em situação de maior vulnerabilidade e defendem que a questão deve ser tratada como um problema de saúde pública. De acordo com a pesquisa nacional mencionada anteriormente, 43% das mulheres que realizaram aborto precisaram ser hospitalizadas após o procedimento.
O risco de realizar um aborto de forma improvisada, sem a proteção legal e a assistência adequada de profissionais de saúde, pode levar à morte, especialmente entre as mulheres negras. Estatísticas oficiais mostram que 64% das mulheres que morreram em decorrência de abortos não especificados eram negras, no período de 2012 a 2021.
Entre 2012 e 2019, mais de 192 mil mulheres foram internadas devido a abortos inseguros ou mal sucedidos.
As Barreiras ao Acesso Legal ao Aborto
Os movimentos feministas e mulheristas também apontam as diversas barreiras que dificultam o acesso ao aborto legal, mesmo para aquelas que já têm direito ao procedimento. A falta de serviços que oferecem consultas para avaliar a possibilidade de realização do aborto, a objeção de consciência por parte de profissionais de saúde, o limite de idade gestacional, a exigência de autorização judicial desnecessária e a desconfiança na palavra das mulheres são alguns exemplos dessas barreiras.
Também é comum a tentativa de verificar a compatibilidade da idade gestacional com a época da violência sofrida, além de desconsiderar doenças crônicas. A advogada Letícia Vella, do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, ressalta que, se a mentalidade da sociedade fosse diferente, o acesso ao aborto seria mais fácil, mesmo para aquelas que têm direito legalmente.
Relatos e Vivências
Para trazer uma perspectiva mais próxima da realidade, é importante ouvir os relatos de mulheres que passaram por experiências relacionadas ao aborto. Ísis*, uma designer de 39 anos, compartilhou sua história de uma gravidez indesejada em um relacionamento recente.
Segundo a legislação brasileira atual, ela não poderia realizar um aborto. No entanto, Ísis encontrou apoio em pessoas de sua confiança, que indicaram contatos para a compra de substâncias abortivas. Ela também consultou um médico para orientações sobre o uso do medicamento e conhecer os riscos envolvidos.
Ísis ressaltou a importância de ter o apoio de seu companheiro durante todo o processo. Ela destaca que o maior sofrimento é o estigma e o medo de enfrentar a clandestinidade. A pesquisa mencionada anteriormente revela que muitas mulheres, mesmo com religião conservadora, optam pelo aborto, mesmo que não compartilhem essa decisão com outras pessoas.
Esse comportamento revela a hipocrisia existente em relação ao tema.
Ademais, a legalização do aborto é um debate público que desperta opiniões diversas na sociedade brasileira. Enquanto alguns grupos conservadores se opõem à descriminalização, movimentos progressistas e feministas defendem a garantia do direito à interrupção da gravidez de forma segura e legal.
A possibilidade de julgamento no STF traz à tona a importância de discutir o tema, considerando as experiências e os direitos das mulheres. A legalização do aborto pode contribuir para a redução dos riscos à saúde das mulheres e para a garantia de autonomia sobre seus corpos.
É fundamental que a sociedade promova um diálogo respeitoso e empático, reconhecendo a complexidade da questão e buscando soluções que respeitem os direitos e a dignidade das mulheres.