A ex-presidente da Fiocruz Nísia Trindade Lima, que tomou posse do Ministério da Saúde, revogou a portaria 2.561/20, que dispõe sobre o procedimento de justificação e autorização da interrupção da gravidez nos casos previstos em lei, através do SUS.
Em sua posse, a ministra já havia anunciado a intenção de revogar todas as normativas que, segundo ela, “ofendem a ciência, os direitos humanos e os direitos sexuais reprodutivos”. Nesta segunda-feira, 16, ela revogou outras cinco portarias assinadas pelo governo Bolsonaro.
O texto da portaria 2.561/20 determinava que o médico deveria comunicar o aborto à autoridade policial responsável. Além disso, os profissionais da saúde deveriam preservar possíveis evidências do crime de estupro, e entrega-las imediatamente à autoridade policial, para a realização de exames que levariam à identificação do autor do crime.
A notificação compulsória dos casos de suspeita de violência contra a mulher que recebe atendimento médico é prevista na lei 13.931/19.
O novo secretário de Atenção Primária à Saúde, Nésio Fernandes, saiu em defesa do aborto legal no SUS. Em entrevista ao G1, o médico sanitarista afirmou que os documentos elaborados na gestão de Bolsonaro possuem posições “retrógradas” e “ultrapassadas”.
Embora se declare evangélico, Nesio diz que sabe diferenciar o que é uma agenda de saúde pública e uma agenda da fé de cada um.
“Negar o acesso ao aborto nas condições previstas em lei é submeter essas vítimas de violência a outras violências. […] Toda e qualquer produção de nota técnica, portaria ou instrumento normativo que existir no Ministério da Saúde legitimando posições retrógradas e que não garantem direitos serão revogadas, sem dúvida alguma”, afirmou o titular da secretaria, que é vinculada ao Ministério da Saúde.
A cartilha, criada durante a gestão do anterior presidente Jair Bolsonaro (PL), em desacordo com as normas da Organização Mundial da Saúde (OMS), argumentava que “todo o aborto é crime”, mesmo nos casos em que ele é permitido pela lei brasileira (gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e em caso de feto anencefálico).
Crime previsto nos artigos 124 a 126 do Código Penal de 1940, o aborto no Brasil é alvo de debates acalorados entre grupos. A lei fixa que uma mulher que provocar aborto em si mesma ou permitir que outra pessoa o faça (como um médico) pode ser condenada por um até três anos de prisão.
Caso uma pessoa provoque aborto em uma gestante sem que ela autorize, também é considerado crime, a ser julgado pelo tribunal do Júri, como um crime contra a vida.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são realizados cerca de 25 milhões de abortos inseguros por ano em todo o mundo.
Há dezenas de projetos de lei na Câmara e no Senado sobre o aborto, tanto visando endurecer ainda mais as regras para a interrupção da gravidez, quanto para descriminalizar a prática voluntária.
Entretanto, nos últimos anos, não houve grandes mudanças no cenário, e nenhum deles seguiu para as fases de votação.
As únicas exceções previstas na lei são nos casos em que:
Nestes casos, o aborto é permitido e o SUS deve disponibilizar o procedimento.
Quando ocorre alguma das circunstâncias previstas em lei para a realização do aborto legal, e for do desejo da mulher realiza-lo, existem procedimentos que devem ser ser seguidos.
Estas etapas deverão ser registradas no formato de termos confidenciais, e os arquivos anexados ao prontuário médico.
O Portal de Boas Práticas da Fiocruz aconselha uma avaliação de no mínimo dois profissionais: um médico obstetra e um clínico, em casos de riscos que motivam a interrupção da gravidez.
“Nesses casos, é preciso ter clareza que a interrupção é a melhor maneira de preservar a vida da mulher. É o caso, por exemplo, da hipertensão pulmonar que chega a ter 70% de risco de morte materna durante a gestação. Ou casos de cardiopatia funcional grau IV, doença renal grave, doenças do colágeno, etc. Casos de patologias que sabidamente têm grandes riscos de complicações gravíssimas e são causas frequentes de morte materna em nosso país”- esclarece.
O acompanhamento psicológico desta mulher é fundamental, bem como o consentimento dela, para a realização do procedimento.
Nos casos em que a vontade da mulher não puder ser ouvida, a decisão da equipe médica vai prevalecer. Também não é necessária autorização judicial.
Em 2012, o Superior Tribunal Federal (STF) decidiu que o aborto de fetos anencéfalos é legal no Brasil.
Nestes casos, o ultrassom precisa ser assinado por dois profissionais que tenham competência para este laudo.
Novamente, é a mulher quem autoriza (ou não) o procedimento. Ela deve ser esclarecida em qualquer dúvida sobre a inviabilidade do feto, dada a situação de anencefalia. Ela também deve ser informada dos riscos que corre, caso decida levar adiante a gravidez.
Quando a gravidez é resultado de violência sexual, a mulher deve relatar as circunstancias do crime perante dois profissionais de saúde, que iniciarão o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez.
Na segunda fase, serão feitos exames físicos e ginecológicos pelo médico responsável, que emitirá parecer técnico.
A gestante também deverá ser acompanhada por uma equipe composta por obstetra, anestesista, enfermeiro, assistente social e/ou psicólogo. Três integrantes dessa equipe subscreverão o Termo de Aprovação de Procedimento de Interrupção da Gravidez.
Logo após, é assinado o Termo de Responsabilidade e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. São documentos que devem conter a declaração expressa, voluntária e consciente da gestante de interromper a gravidez. Se a gestante for incapaz, os documentos devem ser assinados por seu representante legal.
A mulher deve ser esclarecida sobre os desconfortos e riscos possíveis do aborto à sua saúde, os procedimentos que serão feitos, e a forma de acompanhamento e assistência.