Talvez você não tenha ouvido falar de dano existencial tecnológico, mas certamente já soube do impacto que as novas tecnologias estão tendo na vida de toda sociedade.
O dano existencial, embora pouco conhecido, é previsto na legislação trabalhista, e por isso, influencia nos direitos do trabalhador. Ele pode ser descrito como o dano que atinge a qualidade de vida atual do funcionário ou o seu projeto de vida futuro. Por isso o uso da palavra “existencial”, conceituando que afeta a própria existência da pessoa.
O avanço tecnológico, embora visto como algo positivo, pode causar dano existencial ao trabalhador. Entenda como isso pode estar acontecendo com você ou alguém que conhece.
A tecnologia mudou a dinâmica do trabalho, assim como em outras ocasiões da história, como quando o carvão passou a ser usado como fonte de energia, depois a energia elétrica.
A tecnologia avançada produz um bom efeito nos negócios, fazendo com que as empresas produzam e vendam mais, com menos custos. Coisas que antes pareciam impossíveis, hoje são comuns, como as mensagens instantâneas.
Outro exemplo são os softwares de automação de tarefas. Nos dias atuais, um contador passa menos tempo fazendo contas, pois as soluções tecnológicas cuidam da parte mecânica do trabalho. Assim, sobra mais tempo para o profissional cuidar da parte estratégica.
Por outro lado, examinando bem os efeitos das novas tecnologias na dinâmica de trabalho dos empregados, conseguimos ver pontos negativos também. Os avanços tecnológicos abrem as portas para um nível de exigência muito maior aos trabalhadores, e causa prejuízos para sua vida pessoal.
Esse tema, além de recente, não é simples, nem na teoria e nem na prática. Estudiosos consideram o dano existencial tecnológico para entender melhor como a implementação de novas tecnologias afeta os trabalhadores. Novas decisões são tomadas nos Tribunais, que auxiliam na interpretação dos fatos.
Um exemplo bem atual de como pode acontecer o dano tecnológico é quando um profissional se sentem pressionado a estar disponível, mesmo fora do horário do expediente.
Por causa de ferramentas como e-mail e aplicativos de mensagens, fica cada vez mais difícil “sair” por completo do ambiente de trabalho no final do dia. Esse vínculo não é mais puramente físico; ele é virtual, atravessando barreiras de local ou horário.
A pandemia da Covid-19 popularizou o home office. Graças à tecnologia, o empregado pôde exercer suas atividades de trabalho de qualquer lugar, sendo desnecessária a obrigação de ir ao estabelecimento empresarial.
Isso abriu margem para os funcionários cumprirem jornadas de trabalho extenuantes, acompanhadas pelo medo da crise e desemprego.
A cobrança por entregas e resultados imediatos acontece lado a lado com a agilidade das próprias soluções tecnológicas. Elas aceleram o ritmo das atividades dentro das empresas, e os profissionais precisam acompanhar, fazendo cada vez mais em menos tempo.
Um grupo que sente os efeitos diretos dessa pressão são as equipes de vendas. Com a automatização da produção, o volume de produtos fabricados aumenta e, com isso, as metas de vendas disparam.
Como podemos ver, o dano existencial tecnológico é uma consequência bem comum nas relações de emprego em nossos dias. É impossível retroceder e viver sem a tecnologia, mas ainda não aprendemos a lidar com seus efeitos nocivos.
Empregados que são pressionados para estar sempre disponíveis e ser altamente produtivos estão sujeitos à doenças psicossociais. Depressão e Síndrome de Burnout são as mais comuns.
Além disso, as pressões também fazem com que o trabalhador tenha cada vez menos tempo e disposição para se dedicar a si mesmo, sua família, seus amigos, e tudo o que mais envolver sua vida fora do ambiente de trabalho.
Ao atender demandas de um outro funcionário que não está, ou que foi demitido, ele está trabalhando sem receber. Isso pode gerar problemas jurídicos para a empresa, por desvio ou acúmulo de função, dependendo do caso.
Mas a questão é bem mais abrangente, pois como foi dito, todo esse trabalho fora de seu contrato e horário interfere em sua vida pessoal.
Fique atento, nem tudo relacionado às novas tecnologias é culpado pelo dano existencial.
As novas tecnologias não são diretamente responsáveis pelo dano existencial. Elas podem sim abrir as portas para uma dinâmica de trabalho prejudicial. As empresas conscientes implementam soluções tecnológicas com a preocupação de existir, em conjunto, uma dinâmica de trabalho saudável para os colaboradores.
Existem casos em que fica comprovado o dano existencial tecnológico. Então, quais são os direitos do trabalhador?
O artigo 223-B da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determina que o dano existencial gera o direito a reparação. Podemos ler:
“Art. 223-B: Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.”
Porém, existem critérios que devem ser atendidos para que esse direito seja reconhecido em um Tribunal.
Isso significa comprovar que existe um vínculo, ou ligação, entre a conduta do empregador e o dano existencial sofrido.
Isso nem sempre é fácil. Por isso, muitos preferem recorrer aos advogados especializados, que serão capazes de analisar o caso. Um bom aconselhamento pode fazer a diferença para provar que houve dano existencial tecnológico.
Veja exemplos de como essa prova pode ser feita, apresentando:
Havendo estas provas, você pode observar que existe uma conduta do empregador associada à tecnologia e um dano ao empregado, bem como o nexo entre eles.
Outro ponto importante: já foi julgado nos Tribunais que o pagamento de horas extras não repara os danos existenciais sofridos pelo trabalhador. Hora extra é verba salarial, não indenizatória. Se exposto à jornadas extenuantes, o pagamento das horas extras não diminuem as consequências do dano sofrido pelo trabalhador.