De acordo com dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, durante o ano de 2023, o país registrou o maior número de denúncias de trabalho análogo à escravidão da história.
Segundo a pasta, durante o período de 12 meses, foram 3.422 denúncias. Isto é, número 61% maior do que no ano de 2022, sendo o maior já registrado desde a criação do Disque 100.
Portanto, a cada cinco denúncias durante o ano passado, uma tinha relação com o trabalho análogo à escravidão.
É importante lembrar que, segundo o artigo 149 do Código Penal, este significa:
“Atividade caracterizada pela submissão de alguém a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou seu preposto.”
Se trata, então, de uma ocorrência que fere os direitos humanos dos trabalhadores de diversas forma. Logo, deve haver grande esforço do Poder Público para combatê-lo nas mais variadas frente.
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De acordo com o Governo Federal, o país vem batendo um recorde de denúncias desde o ano de 2021, quando aconteceu um total de 1.915.
Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, o número de cidadãos resgatados em situação análoga à escravidão também contou com um aumento. Assim, este é o maior já registrado durante os últimos 14 anos.
Conforme a pasta, entre o período de 1º de janeiro a 21 de dezembro de 2023, ocorreu o resgate de 3.151 trabalhadores.
Considerando todos os direitos trabalhistas que eles têm direito, chegou-se à marca de R$ 12,4 milhões. Isto é, como salário, FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), férias e 13º salário, por exemplo.
O maior número de resgates foi na região Sudeste do país. Até o início de dezembro do ano de 2023, somou-se 1.129 pessoas nestas condições.
Confira, a seguir, os números conforme as regiões do país:
Ademais, no que diz respeito aos estados com maior número de resgates em 2023, até a data de 08 de dezembro, foram:
Desse modo, vê-se que as denúncias e resgates aumentaram em várias regiões do país.
Em 2023, foi possível ver o crescimento no número de resgates nos casos de trabalho análogo à escravidão. No entanto, a quantidade de auditores fiscais do trabalho se encontra no menor nível dos últimos 30 anos.
Sobre o tema, então, o Ministério do Trabalho e Emprego reconheceu a ausência de um número suficiente de servidores.
Contudo, o coordenador de projetos no Centro de Apoio Pastoral do Migrante, Roque Renato Pattussi, destacou que, mesmo com a ausência de auditores, o governo conseguiu aumentar a quantidade de resgates.
“É uma prioridade da Secretaria de Inspeção do Trabalho fiscalizar, num sentido amplo, o trabalho doméstico e, especificamente, casos de trabalho escravo doméstico. Temos menos de 2.000 auditores fiscais do trabalho na ativa. Esse é o menor número desde a criação da carreira, em 1994. Mesmo assim, conseguimos entregar o maior número de ações fiscais”, pontuou.
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Portanto, vê-se que, com o aumento de concursos públicos para suprir a defasagem de servidores poderia ser importante nesta ação.
Ao contrário do que se via até o ano de 2017, o número de trabalhadores em situação de trabalho análogo à escravidão vem aumentando durante os últimos anos no Brasil.
Segundo o coordenador geral de fiscalização e promoção do trabalho decente do Ministério do Trabalho, André Roston, até o mês de novembro de 2023, cerca de 2.847 trabalhadores haviam sido resgatados.
De acordo com especialistas, então, alguns fatores contribuem para o aumento destes casos, entre eles a reforma trabalhista e a lei da terceirização.
O coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Trabalho Escravo Contemporâneo na Universidade Federal do Rio de Janeiro, padre Ricardo Rezende, relatou que o crime é mais frequente em contratos de terceirização.
“Isso se dá pelo fato de ter uma legislação que foi fragilizada. A tentativa, por exemplo, de que combinado se sobreponha ao legislado, é terrível! O fato de aceitar a terceirização mesmo para as atividades-fim, porque, em geral, é na terceirização que o crime se dá com maior frequência”, destaca.
Além disso, procurador do Ministério Público do Trabalho, Luciano Aragão Santos, concorda com a opinião. De acordo com ele, então,, existe uma interpretação da Justiça que não responsabiliza o beneficiário final da mão de obra terceirizada em casos de trabalho escravo.
Também a secretária de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT Nacional, Jandyra Uehara, se manifestou. Para ela, a possibilidade de terceirização de diversas atividades obtida por meio da reforma Trabalhista, em 2017, é um dos principais fatores para o crescimento expressivo de trabalhadores em situação análoga à escravidão.
“O país não tem nenhuma regulamentação, tudo pode e é permitido, inclusive a quarteirização e para agravar a situação temos um patronato, um empresariado com visão escravocrata e o resultado é esse”, pontuou Jandyra.
A secretária indica que o trabalho análogo à escravidão está em diferentes áreas.
“Temos denúncias no trabalho doméstico, no comércio e até mesmo de festivais internacionais nas grandes metrópoles, que se utilizam mão de obra análoga à escravidão”, completou a mesma.
Indo adiante, outro ponto que contribui para o aumento dos casos no país é a impunidade, segundo os especialistas.
Nesse sentido, o padre Ricardo Rezende indica que ninguém é preso no Brasil por utilizar mão de obra escrava, apesar do grande número de trabalhadores já resgatados desde o ano de 1995.
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“O trabalho escravo continua sendo um grande negócio. É muito bom ter escravos, manter trabalhadores nessa condição, porque a consequência é muito pequena. Os empregadores encontrados com trabalho escravo são condenados a pagar as verbas rescisórias, mas não condenados criminalmente e, quando são, é raro serem presos. Então, enquanto essa situação de impunidade permanecer, é muito difícil que a gente combata o trabalho escravo”, destacou.