No início deste ano de 2023, até 20 de março, o Ministério do Trabalho e Emprego resgatou um total de 918 trabalhadores em situação análoga à escravidão. Isto é, o que significa um número recorde em 15 anos, para um primeiro trimestre.
Além disso, em comparação aos dados do mesmo período de 2022, este resultado representa um aumento de 124%.
Em todo o país, os estados com maiores índices são Goiás e Rio Grande do Sul.
Nesse sentido, em Goiás, houve o resgate de 365 pessoas, ou seja, mais de um terço do total no país. Grande parte destes, ainda, ocorreram do último dia 17.
Os casos são de lavouras e usinas de cana-de-açúcar em Itumbiara, Edéia e Cachoeira Dourada.
Já no caso do Rio Grande do Sul, foram 293 resgates até 20 de março. Isto é, de forma que os dois estados somam 70% de todos os casos no Brasil.
Nesse sentido, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, visitou o estado do Rio Grande do Sul na última segunda-feira, 20 de março, para dialogar sobre a situação.
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“Nessa cadeia de contratação irresponsável, que se intensificou nos últimos governos, a terceirização se alastrou, no sentido do tudo está liberado. Vamos retomar a fiscalização do trabalho degradante, punir com rigor aqueles que se utilizam do trabalho análogo ao de escravo”, declarou o ministro.
Em 2020, o Ministério do Trabalho e Emprego indica que a Serra Gaúcha realizou 938 resgates de pessoas em trabalho análogo à escravidão.
Já em 2022, apenas dois anos depois, esta quantia saltou para 2.575, representando o maior número desde o ano de 2013.
Dessa forma, desde 2020 até atualmente, vê-se um aumento de 174% de trabalhadores resgatados em colheita de uvas na Serra Gaúcha. O resgate mais recente, de 2013, foi de 200 homens em Bento Gonçalves, na Serra do Rio Grande do Sul.
Nesse sentido, o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) e vice coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete) do MPT, Italvar Medina, se manifestou sobre possíveis causas do problema.
De acordo com ele, não é possível determinar uma ligação direta entre a causa e a consequência. No entanto, alguns fatores podem influenciar que esta situação se agrave.
“Situações de crise econômica, como a que foi causada no país durante a pandemia, que gerou o aumento de desemprego e insegurança alimentar, podem contribuir para alta de casos”, declarou.
Além disso, o procurador relembra a falta de reforma agrária no país, bem como o aumento de desmatamento ilegal e outras atividades clandestinas como o garimpo, por exemplo. De acordo com ele, estas contribuem no aumento de casos de escravidão contemporânea.
“É um conjunto de fatores que pode conduzir ao aumento de trabalhadores submetidos a essas situações deploráveis”, indica o procurador.
De acordo com o artigo 149 do Código Penal, existem alguns fatores que caracterizam o trabalho análogo à escravidão.
Nesse sentido, a lei indica que há a configuração do crime ao:
“Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.”
Além disso, o Código Penal ainda acrescenta que incorrerão nas mesmas penas aqueles que:
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Portanto, todos aqueles que realizarem uma das ações acima estarão cometendo o crime. Isto é, não é necessário cumular todas as opções, apenas cometer uma delas.
Para realizar resgates de trabalhadores em situação análoga à escravidão, além de promover a fiscalização, a atuação dos auditores é imprescindível.
No entanto, estes profissionais indicam que existem muitas dificuldades para concretizar seu trabalho. Dentre algumas questões eles citam, por exemplo, o déficit no quadro de servidores, o que sobrecarrega aqueles que estão no órgão e problemas ao articular com outros órgãos.
Não há novo concurso público desde 2013, de forma que os cargos vagos do órgão chegam a quase 50%.
Nesse sentido, sem a estrutura necessária e com desvalorização da categoria, os auditores entendem que houve um sucateamento da área. Para eles, isso se agravou a partir de 2016, com cortes no orçamento.
Entre 2019 e 2022, os recursos tiveram nova baixa de 55%. Ademais, os auditores também lembram de posições de ataque às equipes de resgate pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Passamos como um estranho no ninho, sem qualquer atenção para uma pasta tão importante que era fiscalizar as condições de trabalho, de dignidade”, relatou o vice-presidente do Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho), Carlos Silva, sobre a última gestão.
Além disso, estes indicam, ainda, que o último plano de erradicação ocorreu em 2008. Portanto, há certa urgência em um novo documento que coordene as políticas públicas sobre trabalho análogo à escravidão.
Outra medida que pode auxiliar no combate ao trabalho análogo à escravidão é o projeto de lei (PL) 5.970/2019.
Nesta quarta-feira, 22 de março, portanto, haverá o debate da proposta na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado Federal.
O projeto prevê a expropriação de propriedades em que se identifique a exploração de trabalho em condições análogas à de escravidão. Isto é, a retirada da propriedade será uma das punições pelo crime. No entanto, é importante lembrar que isso não exclui outras penas pelo delito.
A autoria da proposta é do do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), com relatoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES). Depois da análise da CDH, o projeto de lei ainda deve passar pelas comissões de:
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O aumento nos casos de resgates trouxe à tona a discussão sobre o problema e possíveis soluções.