Por que desconstruir o machismo na linguagem

Antes de tudo, entenda que conforme a humanidade avança as linguagens mudam. A Língua Portuguesa, assim como outros idiomas, recebe influência do cotidiano e se molda para se cultivar no estilo de cada época.

Muitas das palavras que utilizamos nas conversas do dia a dia, não eram comuns em 70 anos atrás. Expressões como por obsequio, vós mercê foram utilizadas em épocas em que a sociedade seguia um estilo de comunicação mais formal. Claro que a formalidade na fala não deixou de existir. Porém, com o avanço social e a chegada de uma era em que existe uma democracia, a forma de se expressar ficou mais leve.

O uso de abreviações, por exemplo, dificilmente eram utilizadas em cartas. Contudo, o uso de abreviação palavras e gírias prova que a comunicação humana recebe variações.

Mas, embora a maneira de se expressar mude com o tempo, existem palavras e estilos de linguagem que tem deixado os comunicadores mais atentos. E identificar termos e expressões machistas na linguagem, vem levantando discussões interessantes que pode conduzir uma possível mudança.

O que se entende por machismo na linguagem?

Há pouco tempo, como já disse, os linguistas começaram a levantar uma discussão sobre uma linguagem considerada “machista”, geralmente utilizada na concordância nominal. Discute-se que a mulher, em âmbito mundial é trada como um ser diferenciado e por conta disso deveria receber denominação e atenção especial.

Observe que a expressão “o homem” pode receber equivalência com “o ser humano”. Veja que podemos escrever “o homem é imortal”. Culturalmente, a frase é interpretada no sentido de que as pessoas, independente de gênero são imortais. Entretanto, ao substituir a palavra homem pela palavra mulher, cria-se outro sentido – a mulher é imortal. Perceba que o sentido da concordância nominal para mulher imortal se restringe apenas para o elemento mulher.

Desde as línguas mais antigas da grande família linguística indo-europeia, a mulher sempre recebeu uma denominação à parte, o que não aconteceria se ela fosse vista em pé de igualdade com os homens.

A língua também revela um tratamento diferenciado dado à mulher na sociedade ao conter designações específicas para ela, inexistentes para o homem. A mulher de um chefe de governo é chamada de “primeira-dama”, mas o marido de uma mulher que desempenha aquele cargo não é chamado de “primeiro-cavalheiro”. Do mesmo modo, a mulher de um embaixador é uma “embaixatriz”, mas o marido de uma embaixadora não é um embaixador. Essas designações dão a falsa impressão de valorização da mulher, quando, na verdade, sugere a ideia de que ela é propriedade do homem.

Como pode mudar o modo de falar?

A linguagem evoca uma supremacia masculina, em que o feminino sempre ocupa o segundo lugar. A mudança começa a acontecer, pois através da linguagem as pessoas formulam, incorporam conceitos, maneiras de ver a vida e de lidar com o próximo. Embora não esteja definida oficialmente, algumas pessoas já estão substituindo as expressões todos ou todas, para todxs na tentativa de expressar uma ideia de igualdade.

Se a criação da palavra todxs vai fazer parte do vocabulário, isso só o tempo vai dizer. Tudo vai depender de estudos, de análises, de observações sobre o comportamento dos brasileiros e seus discursos, entre outros fatores. Contudo, quero levantar a conversa para compreender que a qualquer momento a forma de falar, a forma de escrever e a forma de interpretar pode mudar.

Existe, portanto, flexibilidade nas comunicações. As palavras vêm e vão. O nosso idioma, português, não derivou do latim? Então não há como controlar essas mudanças e novas variações.

O primeiro passo desse processo é compreender que nenhuma língua é neutra, imparcial e isenta de valores. A língua, como um importante componente da cultura, transfere os valores, bem como os preconceitos existentes para a sociedade que a utiliza. E, de fato, é difícil perceber essa faceta do idioma. A língua é uma herança, ou seja, já nascemos inseridos em um ambiente rodeado por um idioma que carrega uma história, uma cultura e um desenvolvimento de longa data.

Muitas vezes, a língua contém palavras e expressões que já não representam a geração à qual pertencemos. E como a comunicação envolvendo a linguagem está inserida de forma profunda nas relações humanas, o preconceito e a desigualdade, em diversos níveis e aspectos, também acabam sendo perpetuados. Há relações de poder intrínsecas no idioma, que foram naturalizadas ao longo do seu desenvolvimento, mas não precisamos e nem devemos aceitá-las, ou continuar usando-as.

Quais são as palavras, as expressões ou os termos que trazem uma denotação machista?

A língua é um instrumento flexível, em evolução. A língua é um organismo vivo. Na nossa diversidade atual, podemos também adaptar e reinventar o nosso idioma, tornando-o cada vez mais inclusivo, empático e adequado à nossa realidade plural, mas que ainda tem muitos desafios para serem enfrentados.

Não importa se uma ou todas essas expressões são ditas sem querer, sem consciência do que efetivamente provocam ou querem dizer, o fato é que são expressões que estão recebendo movimentos para que sejam abandonadas. A linguagem reflete a realidade no bom e no pior dos sentidos, mas ela é também capaz de alterar o mundo e a maneira com que nos relacionamos.

Expressões como “mal-amada”, “estar de chico”, “Estar de TPM”, “Mas ela provocou”, “também, vestida desse jeito”, “mas eu ajudo nas tarefas domésticas”, são algumas das maneiras de falar que exigem mais atenção e alteração.

O uso da expressão “mal-amada”, por exemplo, configura que a mulher age de tal maneira por consequência da ausência de um companheiro. Contudo, isso não acontece na caracterização do comportamento do homem, quando tentam justificar suas emoções ou atitudes, agir bem ou agir mal, é visto, quase sempre como algo próprio do temperamento – sem menção nenhuma à vida amorosa.

Diante de toda essa conversa, a boa notícia é que sempre procurar por maneiras mais inclusivas e menos preconceituosas em algo tão simples quanto à escolha do vocabulário.

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