Para recuperar mais de cem dias sem aulas presenciais, marca alcançada na semana passada, secretários municipais e estaduais de Educação, parlamentares, membros do Conselho Nacional de Educação (CNE) e acadêmicos vêm discutindo como minimizar riscos reais na volta às escolas brasileiras.
Entre os principais desafios estão a desigualdade de aprendizagem — que se acentuou durante a paralisação, pois alunos da rede pública e os mais pobres não tiveram o mesmo acesso a aulas on-line — e a retomada do crescimento da taxa de abandono escolar. Tudo isso num cenário de pouco dinheiro e tempo.
Dez capitais já marcaram a data para a reabertura de escolas entre julho e agosto. A decisão, no entanto, vai na contramão do desejo popular: segundo pesquisa Datafolha, divulgada no sábado (27), 76% dos entrevistados são contrários a reabertura das escolas pelos próximos dois meses.
É consenso entre educadores que o primeiro passo será fazer um diagnóstico da situação. A indicação está no documento com parâmetros de retorno produzido pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e também no da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).
“O acompanhamento tem que ser feito muito de perto, com avaliações qualitativas, para saber o que chegou de conhecimento ao aluno. E isso tem que ser feito regularmente na pós-pandemia”, diz Cláudio Soares, secretário de Educação da Paraíba e um dos coordenadores da Frente Protocolo de Retomada, que reúne os técnicos responsáveis pelo documento do Consed.
“E é preciso um mês de acolhimento e avaliação. Saber como esses meninos vão voltar em todos os aspectos, além do pedagógico”, diz ele.
Ações como a adoção do ensino híbrido (parte das aulas presenciais e outra remota), atividades de recuperação da aprendizagem e mudanças nos processos de avaliação, aprovação e progressão continuada são recomendadas nos planos apresentados pelo Consed e Undime e deverão ser adotadas pelas redes.
Reposição de aulas
A revisão do currículo escolar também está em discussão. Com calendário apertado, ganha força a ideia de que parte dos conteúdos de 2020 seja articulado com o de 2021. A tese já foi defendida pelo presidente do CNE, Luiz Curi, e também é recomendada pela Unesco, como diz Marlova Noleto, diretora e representante da entidade no Brasil:
“Temos que nos adaptar à realidade, buscando descobrir maneiras de garantir a qualidade de forma segura. A adaptação do currículo é uma dessas medidas, com as redes garantindo o que é essencial neste ano mais curto”, explica.
Esta possibilidade também está prevista no projeto de lei de conversão (PLV) no Congresso, com relatoria da deputada Luísa Canziani (PTB-PR). Trata-se de análise de medida provisória do então ministro da Educação Abraham Weintraub, que liberou a obrigação do mínimo de 200 dias letivos, mas manteve as 800 horas de aula no ano. O texto está pronto, deve ser votado nesta semana e dá mais flexibilidade para a educação infantil, que não precisará cumprir as 800 horas.
No ensino médio, será aberta a possibilidade do 4º ano, desejo manifestado pelos secretários estaduais de Educação de São Paulo e Maranhão.
Outro desafio das redes será o acesso. Especialistas apontam o risco de abandono escolar, que o Brasil vinha reduzindo consistentemente ao longo dos anos — passou de 4,7% no fim do ensino fundamental, em 2010, para 2,4%, em 2018, ou menos 380 mil crianças fora do colégio.
“A escola é um espaço de proteção à criança. Então, quanto mais tempo fora dela, maiores as chances de ela não voltar”, diz Noleto.
Orçamento restrito
Todos esses problemas precisarão ser enfrentados num cenário de restrição orçamentária. Só em 2020, o Fundeb — fundo que banca a manutenção e o desenvolvimento da Educação Básica no país —deve perder R$ 21 bilhões dos R$ 173 bilhões previstos.
“É que o dinheiro do Fundeb vem de impostos e, nesse momento, estados e municípios não sabem quanto vão arrecadar. É nesse cenário que eles têm que se programar. E o momento agora é de reconstrução, ou seja, precisa de ainda mais investimento”, diz Abrucio, da FGV.
Sob o comando de Weintraub, o MEC se absteve das discussões sobre a retomada das aulas este ano. Na última quinta-feira, Carlos Alberto Decotelli tomou posse no ministério prometendo diálogo e empenho no tema.
“O MEC deveria ter criado um gabinete de crise, com as secretarias, reunindo-se pelo menos uma vez por semana”, diz Ricardo Henriques economista do Instituto Unibanco, que produziu o relatório “Educação e Coronavírus – Reabertura das Escolas”. A pesquisa destaca práticas adotadas para retomada de aulas na China, Dinamarca, Estados Unidos, França e Nova Zelândia.
Na Dinamarca, por exemplo, as notas regulares foram substituídas por uma avaliação geral das competências do aluno. Já nos EUA, alguns estados aprovaram os estudantes sem a obrigação das provas finais.
No mundo, de acordo com a Unesco, pelo menos 1,54 bilhão de crianças em 190 países ficaram sem aula por causa da pandemia.
Orientações da especialista
Pesquisa
Cláudia Costin, ex-diretora de Educação do Banco Mundial e professora da FGV, organizou uma série de recomendações pedagógicas para o retorno às aulas.
Carinho
No retorno de cada série, deve-se pensar em uma atividade de acolhimento para lidar com as dores emocionais e os aprendizados ocorridos na pandemia.
Diagnóstico
Alguns dias depois da volta, é fundamental uma avaliação diagnóstica para identificar lacunas no aprendizado e encaminhar os alunos para um sistema de reforço escolar que deve já estar formatado.
Nenhum para trás
Deve haver busca ativa por alunos que não retornarem às aulas. Esta busca deve se iniciar ao se perceber a ausência do estudante nas atividades à distância, antes mesmo do retorno presencial.
Interrupção das aulas
Monitorar indicadores de saúde dos alunos. As aulas devem ser interrompidas se novos casos de Covid-19 forem identificados. Fonte: Jornal Extra